Título: Bush e a volta de Bin Laden
Autor: Tisdall, Simon
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/09/2006, Internacional, p. A15

Depois de deliberadamente ignorá-lo durante boa parte dos últimos cinco anos, George W. Bush está transformando Osama bin Laden em assunto de manchetes nas equilibradas eleições parlamentares de meio de mandato de novembro. Mas a guinada tática do presidente americano tem gerado suspeitas de que os republicanos novamente apelarão para a política do medo.

Bush não enfrentará uma disputa pela reeleição em novembro - nem nunca. A partir de janeiro de 2009, espera-se que ele fique "limpando mato" em tempo integral no seu rancho no Texas. Mas os que achavam que ele não participaria no lançamento da temporada de campanha na semana do Dia do Trabalho (primeira segunda-feira de setembro nos EUA) erraram feio o alvo. Apesar das baixas taxas de aprovação recordes de seu governo, ele aparentemente acredita que pode contribuir para a vitória de outros. Isto parece um jogo do porte do Iraque.

O retorno político de Bin Laden foi selado por não menos de 17 citações de seu nome num discurso feito por Bush na terça-feira, em Washington. Desde que declarou, depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, que o queria "vivo ou morto", Bush tendeu a evitar menções ao líder da Al-Qaeda temendo lembrar os americanos de seu fracasso na tentativa de capturá-lo.

Agora, o presidente mudou de curso, ao que se diz por recomendação de Karl Rove, seu principal estrategista, e começou a falar da ameaça global representada pelo "líder inimigo". Em outra virada presidencial, ele afirmou que Bin Laden, seus seguidores e imitadores "não eram loucos... eles matam em nome de uma ideologia clara e orientada, um conjunto de crenças que são más, mas não insanas". Isso os torna ainda mais assustadores.

Acredita-se que um videotape ameaçador de Bin Laden divulgado pouco antes do dia da eleição presidencial de 2004 aumentou a vantagem de Bush sobre seu oponente, John Kerry, em vários pontos. Talvez a Casa Branca esteja calculando que o "fator Osama" funcionará novamente para os republicanos no momento em que os democratas tentam explorar as crescentes preocupações do eleitor com o terrorismo.

O Iraque está emergindo como uma outra questão fortemente polarizadora em comparação com dois anos atrás, quando os líderes democratas estavam divididos e os eleitores deram a Bush o benefício da dúvida. O presidente usou as palavras do próprio Bin Laden para justificar seu ponto de vista de que a instabilidade depois da invasão era mais uma parte integrante do que uma causa inicial da propagação da "guerra ao terror".

"Ele (Bin Laden) a chama de uma guerra de destino entre infiéis e o Islã", disse Bush. "Para a Al-Qaeda, o Iraque não é uma distração de sua guerra aos Estados Unidos. É o campo de batalha principal onde o desfecho dessa luta será decidido." Sobre esta última idéia, ele e Bin Laden claramente concordam.

Agora, a maioria dos democratas diz que o Iraque foi uma asneira desastrosa que criou mais terroristas e alienou a opinião pública muçulmana enquanto enfraquecia o foco americano nos jihadistas. A colunista Maureen Dowd do jornal New York Times foi mais contundente que a maioria: "Em vez de simplesmente admitir que ele atrapalhou (sic) o Iraque, W. (Bush) e seus comparsas estão misturando inimigos a torto e a direito, e fazendo discursos com a mensagem simplista, paranóica e conspirativa: todos esses árabes assustadores estão coligados para nos liquidar."

Num discurso na terça-feira, um de uma série, Bush retratou a luta contra extremistas muçulmanos sunitas tipificados pela Al-Qaeda nos termos mais cabais. Seu objetivo, disse ele, era nada menos que a destruição dos Estados Unidos e o estabelecimento de "uma utopia política violenta em todo o Oriente Médio onde todos seriam governados de acordo com sua ideologia do ódio." Comparando Bin Laden a Hitler, disse que o objetivo era "nos aterrorizar e levar nossa economia ao colapso".

Um relatório do "think tank" Chatham House, em Londres, publicado no dia 7 último, oferece uma avaliação menos alarmista.

Como outros estudos recentes, ele conclui que a Al-Qaeda "perdeu respaldo na rua muçulmana" ao passo que "as medidas de segurança globalmente coordenadas chefiadas pelos EUA minaram seriamente as redes de comunicações, finanças e recrutamento da Al-Qaeda". Ele também sugere que "a imagem da Al-Qaeda como um ator global foi involuntariamente reforçada pelos EUA e seus aliados".

Os críticos da Casa Branca dizem que a campanha parlamentar está assistindo à volta das táticas de aterrorizar que caracterizaram os anos Bush. Os democratas têm sido estimulados por pesquisas de opinião sugerindo que eles poderiam recuperar o controle da Câmara de Representantes (deputados federais). E a confiança pública na capacidade de os republicanos tratarem as questões de segurança nacional vem caindo acentuadamente desde 2002.

Assim, a batalha sobre quem poderá proteger melhor os Estados Unidos vai ficando dura e suja.