Título: Na BA, infância enterrada na pilha de carvão
Autor: Tereza, Irany e Rodrigues, Karine
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2006, Nacional, p. A18

G.S.C. é um garoto miúdo, que não aparenta os seus 11 anos de idade, apresenta cicatrizes de pequenos cortes por todo o corpo, tem os pés machucados pelo trabalho duro sem o uso de calçados apropriados e traz sinais de lordose na coluna acostumada a carregar peso. Seu olhar não mostra mais nenhum vestígio de ingenuidade nem da esperança infantil.

Ele é mais uma criança que trabalha no Brasil para ajudar no sustento da família. Seu dia começa às 6 da manhã, quando acorda e, sem ter comido nada, anda cerca de 5 quilômetros para chegar a uma escola municipal de Alagoinhas, na Bahia, Estado onde é comum o trabalho infantil nas pedreiras, nas plantações de sisal e na carvoaria.

G. retorna depois das 13 horas, quando ele e os irmãos começam a trabalhar na produção familiar de carvão. A família de oito filhos mora numa casa de taipa de três cômodos, onde não tem luz elétrica. A água encanada chegou há poucos dias.

A fabricação do carvão é feita no pátio da casa, onde habitam galinhas e cachorros. Há também um forno de barro construído pelos moradores. É ali que o carvão é feito. As crianças cortam e descascam a madeira. Mais tarde colocam-na empilhada dentro do forno.

Depois de três dias, está pronto o carvão, que é colocado por G. e seus irmãos em latas de querosene, usadas como medida, para o ensacamento do produto. Numa carroça, o carvão é levado pelo pai para ser vendido pelas redondezas.

A situação de trabalho de G. e das outras crianças é bastante insalubre, pois aspiram a poeira do carvão que fica acumulada no aparelho respiratório, além da exposição ao vapor do forno.

G. afirma que, sem o seu trabalho e o dos irmãos, a família ficaria sem comida. Os pais são calmos, mas, se ele for muito lento no trabalho, ficam bravos. G. gosta de ir à escola, está na primeira série e já sabe ler. Quando crescer acha que seguirá o estilo de vida do pai.

Gosta de brincar, mas não tem brinquedos, então brinca com folhas de mamona. Seu almoço nos últimos dias foi arroz e feijão. Quando não trabalhava, já viveu a experiência de não ter o que comer.