Título: Um mercado ilegal, com 2,5 milhões de jovens
Autor: Tereza, Irany e Rodrigues, Karine
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2006, Nacional, p. A18

Eles têm de 5 a 14 anos e são tantos que poderiam substituir a população de três estados do Norte brasileiro. Todos trabalham, contrariando a lei e invertendo os papéis familiares. No período de 2004 a 2005, tornaram-se 10,3% mais numerosos e já constituem um batalhão de 2,5 milhões de crianças e adolescentes explorados em trabalho ilegal. O aumento, apurado pela Pnad, interrompeu uma tendência de queda que foi verificada durante 14 anos.

Proibido para menores de 16 anos - embora, para aprendizado, seja aceito a partir dos 14 anos -, o trabalho infantil é muito mais freqüente na agricultura. Por isso, seu crescimento estaria associado a fatores conjunturais do setor, como secas, enchentes e aumentos de insumos, de acordo com avaliação técnica do IBGE.

O campo concentrou, no último ano, 1,5 milhão dos pequenos trabalhadores, especialmente os de menor idade: 76,7% dos ocupados têm entre 5 e 9 anos. A maioria (64,4%) é remunerada, mas há uma parcela substancial (27%) que está envolvida na produção para consumo próprio.

A pesquisa mostra ainda que o Nordeste continua a ser a região mais crítica, com 15,9% da população infanto-juvenil trabalhando. Em seguida, vem a região Sul (14%), caracterizada também por uma forte agricultura familiar.

PROGRAMAS

A secretária-executiva do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Maria de Oliveira, está preocupada. 'Isso é grave. Um maior número de crianças está tendo seus direitos violados', observa. Na sua opinião, é pífia a ampliação, em 200 mil, do número de atendidos no Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti) do governo federal atual. Em 2002, eram 810 mil. 'Este é um dado muito mais forte do que qualquer dado conjuntural da atividade agrícola', explica a secretária-executiva.

O presidente do IBGE, Eduardo Pereira Nunes, considera que os programas de transferência de renda, como o Bolsa-Família e o Fundef, influenciaram na redução do número de atendidos dos últimos dez anos, mas diz que é preciso mais para mudar o quadro. 'Precisamos de três condições: criar vagas nas escolas, melhorar a qualidade do ensino e subir o nível de renda familiar', disse.

Ana Lúcia Kassouf, consultora da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e professora da USP, culpa o governo federal pela piora, que ela atribui ao que considera abandono do único programa federal direcionado ao trabalho infantil, criado em 1996. 'O Lula prometeu que ia aumentar o número de famílias incluídas no Peti, mas isso não foi feito. E, pelo que a gente sabe, as contrapartidas do Peti e do Bolsa-Família não estão sendo cobradas. Isso é um agravante', afirma.