Título: Evo garante a Amorim a suspensão do confisco
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/09/2006, Economia, p. B4

O chanceler Celso Amorim recebeu ontem do presidente da Bolívia, Evo Morales, a garantia de que foi 'congelado' o efeito da resolução que expropriou as refinarias da Petrobrás em território boliviano. 'Manifestei a preocupação do governo brasileiro com a medida, embora já soubesse que ela havia sido suspensa', disse Amorim ao Estado. 'Ele reiterou a suspensão.'

O chanceler brasileiro, que participou em Cuba da reunião dos países do G-15, paralelamente à Cúpula dos Países Não-Alinhados, disse que não perguntou ao presidente boliviano sobre o motivo do anúncio da polêmica medida e posterior congelamento dos seus efeitos. 'Não cabe a mim fazer essa pergunta em uma conversa rápida, mas externei a preocupação do governo brasileiro.'

Segundo Amorim, Evo Morales disse que quer continuar a negociar com o Brasil e garantiu que 'a nacionalização não pode ser confundida com medida confiscatória'. O presidente boliviano acrescentou que a suspensão dos efeitos da resolução foi uma medida soberana para facilitar a negociação.

A resolução do governo boliviano, decidida na terça-feira, transformou a Petrobrás em simples prestadora de serviços no refino de petróleo. A medida provocou confusão no governo brasileiro e o cancelamento da ida a La Paz de uma delegação brasileira para negociar o preço do gás natural boliviano. Na Bolívia o assunto foi notícia nos jornais e em sites.

BOA VONTADE

O governo brasileiro recebeu a notícia do 'congelamento' como uma abertura para negociações. 'Temos de reconhecer que houve um gesto de boa vontade. Houve um recuo estratégico e uma demonstração clara e pública de que eles querem negociar', disse o ministro de Minas e Energia, Silas Rondeau, antes de o ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Solíz Rada, renunciar.

Mas o governo continua encarando a situação com cautela. O próximo passo será concluir a análise do texto da resolução para saber o que colocar na mesa de negociações. 'Nossa sugestão será no sentido de que se modifiquem (os demais pontos), para que possa haver uma tomada de decisão da Petrobrás para saber se interessa ou não estar no negócio de refinarias na Bolívia', disse Rondeau.

Apesar de afirmar que o governo não vai passar por cima dos interesses comerciais da Petrobrás, ele disse que a empresa terá de respeitar as decisões do governo brasileiro, pois a situação criada entre os dois países 'merece todo o cuidado'.

Ele afirmou que ainda não recebeu dos bolivianos uma confirmação da data da nova reunião de negociação. A sugestão de Rondeau para que o encontro fosse realizado no dia 9 de outubro foi enviada por escrito a Solíz, na mesma carta em que foi pedido o cancelamento da reunião que deveria ter ocorrido ontem, na Bolívia.

O ministro brasileiro avaliou que não é possível fazer uma integração energética da América do Sul sem a Bolívia. 'Eles têm uma das maiores reservas de gás do continente.' O Brasil importa da Bolívia 26 milhões de m3 diários de gás natural, para termelétricas, veículos e residências. Segundo fontes no Palácio do Planalto, Rondeau foi escalado para liderar as negociações.

O presidente da Bolívia, Evo Morales, reafirmou ontem, em Havana, que seu país é soberano para decidir o que faz com seus recursos naturais. Acrescentou que, quando negocia com empresas estrangeiras, busca 'sócios, não patrões'.

'O Estado boliviano, de forma soberana, tem de decidir sobre seus recursos naturais. A autodeterminação dos povos é um direito', disse ele, durante a cúpula do Movimento de Países Não Alinhados. 'Precisamos de sócios, não de patrões nem donos, seja (a francesa) Total, a (espanhola) Repsol-YPF, seja a Petrobrás.'

Pouco antes, o presidente boliviano havia conversado com o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, que disse que a Petrobrás poderá deixar a Bolívia.

'Não posso entender que a Petrobrás possa abandonar ou se retirar (da Bolívia)', afirmou Evo, em uma entrevista coletiva concedida logo após o encontro com o ministro brasileiro.

O presidente boliviano explicou que a resolução foi suspensa para que possam avançar as negociações com a Petrobrás. Evo ressaltou que suas relações com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva são 'excelentes'. Advertiu, porém, que a Bolívia não vai tolerar imposições.

Segundo ele, Lula 'reconhece' os problemas econômicos da Bolívia, o país mais pobre da América Latina. Na América do Sul, as reservas de gás da Bolívia só perdem para as da Venezuela.