Título: O xaxado de uma economia chocha
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2006, Espaço aberto, p. A2

A recente e péssima notícia de que a variação do produto interno bruto (PIB) foi de apenas 0,5% no segundo trimestre deste ano teve o bom efeito de reacender a discussão sobre o medíocre crescimento econômico brasileiro, anestesiada por um séquito de arautos oficiais e financistas com o enganoso discurso de que ¿a economia vai bem¿.

O corneteiro-mor desse engano é o presidente Lula, obcecado em se comparar a FHC, mas ao mesmo tempo imitando-o no pior, como o aumento da carga tributária, o câmbio valorizado e os juros elevados. Dois dias antes de sair a referida notícia, Lula se vangloriava afirmando que antes de sua gestão ¿a economia se arrastava mais ou menos como o xaxado¿, uma dança nordestina cujo nome vem, segundo Câmara Cascudo, do rumor xa-xa-xa das alpercatas arrastadas no solo durante essa dança.

O que os dados mostraram novamente - e desta vez de forma agravada - foi que a economia continua chocha, muito debilitada. As explicações oficiais foram superficiais, com argumentos como os efeitos da Copa do Mundo e a greve dos auditores da Receita Federal. E tanto o presidente como seu ministro da Fazenda reafirmaram suas previsões de que a economia vai crescer 4% este ano. Agora, a previsão dos analistas é de um crescimento perto de 3,2%, mas, mesmo se a estimativa otimista dessas duas autoridades se confirmar, ainda assim o crescimento terá sido insatisfatório. E, ademais, pouco aliviará a má situação do Brasil tanto relativamente ao muito maior crescimento que já teve no passado como em comparação com o que hoje crescem outros países.

O certo é que há duas décadas e meia a economia brasileira anda muito devagar, sacrificando gerações pela escassez de oportunidades de trabalho e de desenvolvimento pessoal e social. Só um crescimento bem mais acelerado seria capaz de oferecê-las em número suficiente. Que o Brasil cresça pouco não chega a ser surpresa, pois pouco se faz para pôr em movimento as forças de um crescimento bem mais forte e, às vezes, até se mobilizam outras em sentido contrário.

Para abordar sem tecnicalidades essas forças positivas e negativas, vou voltar a meu exemplo favorito, adicionando novas considerações de artigos anteriores sobre o mesmo assunto.

Tome-se uma economia bem simples, com atividade muito concentrada na produção de milho, e interessada em expandir fortemente sua produção. Ela precisará poupar muito mais sementes, sacrificando parte adicional do consumo de milho para incrementar a produção na safra seguinte. Se avançar científica e tecnologicamente e melhorar a qualidade dessas sementes, a produção será maior, os produtores terão maior lucro e se sentirão estimulados a poupar mais e a investir mais sementes em futuras safras.

Se houver um governo e ele, mediante impostos e endividamento, coletar mais milho apenas para consumo dos governantes, seus funcionários e protegidos, então os produtores terão dificuldades para assegurar a mesma proporção de sementes a serem investidas em safras futuras, as quais irão cair ou não subir com o ímpeto desejado. O governo poderia evitar isso se usasse boa parte de seus tributos e endividamento para custear estradas que facilitassem o ingresso de insumos e o escoamento da colheita, estimulando os produtores a poupar mais em face dessa perspectiva de maiores lucros.

A produção também tenderia a crescer se o governo estimulasse os negócios reduzindo a burocracia que os envolve, assegurando o respeito às propriedades dos agricultores e administrando a Justiça de forma rápida e eficiente. Se essa economia operasse com financiamentos para consumo e, em particular, para adquirir sementes e equipamentos, seria preciso assegurar juros adequados e evitar que o governo, como maior tomador de empréstimos, contaminasse com seu risco a taxa básica de juros. E mais: se essa economia transacionasse com outras, seria preciso que as correspondentes taxas de câmbio estimulassem suas exportações.

Contemplando o atual cenário da economia brasileira, esse exemplo simples é suficiente para identificar o que está a emperrar o seu crescimento: a taxa de poupança é baixa, o desenvolvimento tecnológico é muito limitado, a parcela da produção investida em sua expansão é pequena, o governo arrecada e se endividou muito, mas investe pouco, o ambiente para negócios é desestimulante em muitas de suas facetas, as terras são invadidas até com estímulos governamentais, a taxa de câmbio é baixa, a de juros é muito alta, e por aí afora.

O lulismo, com seu exacerbado tudo pelo social - em particular, em prol dos companheiros -, agora turbinado para manter o poder de mal gerir, avançou a ponto de comer até sementes que seriam destinadas a safras futuras. Nos dados trimestrais recentemente publicados, uma das informações mais preocupantes foi da variação negativa da formação bruta de capital fixo.

Como sair dessa encrenca? No crescimento emperrado, destaca-se a alta carga tributária, que se reveza com a expansão dos gastos e o contínuo endividamento do governo, numa urdidura que prejudica a poupança, o investimento e o progresso tecnológico. Isso ao lado de o governo se manter indefinido, com alentos até na direção contrária, na criação de um ambiente propício aos negócios que põem a economia em movimento.

De qualquer forma, ele é o agente a quem cabe a ação política para acelerar o processo de crescimento econômico nacional. Assim, enquanto não houver efetivo compromisso com esse propósito, juntamente com liderança e competência para azeitar as engrenagens e acelerar o ritmo desse processo, vamos continuar dançando esse xaxado de uma economia chocha.

Roberto Macedo, economista (USP), com doutorado pela Universidade Harvard (EUA), pesquisador da Fipe-USP e professor associado à Faap, foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda