Título: 'Vamos governar o País com o PT, o PMDB e fazer acordos pontuais'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/09/2006, Nacional, p. A4

Manter o superávit primário "da ordem de 4,25%", governar com a base partidária que apóia a campanha da reeleição, não se furtar a "fazer quantos acordos forem necessários com a oposição sobre questões de interesse nacional", ajudar na aprovação "urgente" de uma reforma política e não mexer nas regras do jogo da eleição e reeleição presidencial. Para o rombo da Previdência Social não há solução "milagrosa" - o jeito é apostar no crescimento econômico e fazer "o que temos feito nestes quase quatro anos".

O receituário para governar o Brasil num "eventual segundo mandato" é do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi descrito ao Estado em entrevista concedida por e-mail. O presidente foi o único dos candidatos ao Planalto que não compareceu à sede do jornal, no mês passado, para o ciclo de entrevistas Eleições 2006 no Estadão - o tucano Geraldo Alckmin abriu a série no dia 16 de agosto, com Cristovam Buarque (PDT) e Heloísa Helena (PSOL) na seqüência.

Apesar da ausência, o presidente se prontificou a responder às perguntas dos jornalistas Roberto Godoy, Celso Ming, José Nêumanne Pinto, José Márcio Mendonça, Dora Kramer e Josué Leonel - profissionais do Grupo Estado que entrevistariam o presidente no auditório do jornal e formulariam também perguntas de internautas.

Nas respostas, Lula deixa claro que quer o PMDB na base de sustentação, mas cai em contradição ao afirmar que o PT deve "liderar a coalizão" - o que só será aceito pelos peemedebistas se o PT vier a eleger uma bancada de maioria folgada. Na entrevista, o candidato fica o tempo todo distante das teses esquerdistas das Diretrizes do Encontro Nacional do PT, realizado em abril passado, e acena aos petistas apenas com duas frases de efeito: promover um "crescimento vigoroso", variante do "espetáculo do crescimento" prometido para o primeiro mandato, e manter o "diálogo democrático" com os movimentos sociais.

O presidente não se compromete com a redução de impostos e reafirma que a reforma tributária a aprovar é a que está no Congresso. A seguir, as respostas enviadas ontem ao Estado, nas quais Lula, mais uma vez, não diz por quem foi traído no escândalo do mensalão. E culpa o Ministério Público por não haver ainda uma conclusão sobre a investigação do caso Waldomiro Diniz:

Se reeleito, pretende repetir a mecânica da cooptação pluripartidária para formação de maioria parlamentar?

Não poderia repetir uma coisa que não fiz e com a qual não concordo, como é o caso da cooptação. Se reeleito, vou assumir pessoalmente a construção das alianças que o governo tem de fazer para garantir uma base de sustentação no Congresso e levar adiante os projetos necessários para continuar mudando o Brasil. Vou conversar com os aliados, com o PMDB, com outros partidos políticos e com os governadores. É assim que vamos construir as condições políticas para dar ao País a tranqüilidade de que ele necessita. Além disso, o País precisa urgentemente de uma reforma política, que fortaleça os partidos e a identidade entre o voto do eleitor e um projeto nacional.

No caso da eleição do ex-ministro Antonio Palocci para a Câmara, estaria excluída a possibilidade de ele ocupar a liderança do governo, considerando que o cargo é de escolha do Planalto? Os petistas envolvidos em denúncias continuarão a fazer parte de seu convívio?

A escolha de um nome para a liderança na Câmara dos Deputados só pode ser pensada depois das eleições. Por ora, posso afirmar que esse líder precisa ter capacidade de diálogo, de aglutinar a base do governo e de construir os consensos necessários para o País.

O senhor já deu a entender que pretende fazer um governo de coalizão. Isso incluiria setores da atual oposição?

Nós vamos governar o País com as forças políticas que estão nos apoiando nas eleições, mas estaremos dispostos a fazer quantos acordos forem necessários com a oposição sobre questões de interesse nacional.

O PT vai perder espaços num eventual segundo mandato?

Se eu for reeleito, o papel do Partido dos Trabalhadores será o de liderar uma coalizão e ampliar o diálogo interno e externo, sempre sustentado em um programa de governo. Ao mesmo tempo, o PT deve afirmar suas posições com a devida autonomia no interior dessa coalizão. Buscaremos uma estruturação do governo em torno de partidos que assumam responsabilidades claras perante a sociedade. É importante que os partidos da base aliada sintam que suas propostas serão contempladas na execução das políticas públicas, cuja formulação não deve ficar restrita a este ou aquele grupo de determinado partido.

Há alguns anos o senhor afirmou que no Congresso havia 300 picaretas. Depois de quatro anos em que teve de lidar diretamente com tantos congressistas e depois de tantos escândalos, o senhor mantém essa afirmação?

Como chefe do Executivo, devo e tenho o maior respeito pelos outros Poderes da República. O Congresso Nacional é uma instituição fundamental da democracia, pela qual todos devemos zelar. Como presidente da República, o que me cabe é contribuir para aperfeiçoar essas instituições. Por isso, defendo que o Brasil faça uma reforma política no próximo período.

O que mais atrapalhou o desempenho do governo: a atuação de seu ministro José Dirceu ou os escândalos do PT?

Acredito que o êxito de um governo não pode ser medido pela ausência de problemas, mas, sim, pela sua capacidade de superá-los e de aprender com eles. Esse aprendizado, às vezes, é doloroso. No entanto, fizemos tudo o que precisava ser feito: afastamos os supostos envolvidos, determinamos que a Polícia Federal e a CGU investigassem e não colocamos obstáculo a que as outras instituições, como o Ministério Público e o Legislativo - com três CPIs - também investigassem com total independência. O governo, por sua vez, continuou a funcionar em ritmo acelerado. (...) Nunca, nem um dia sequer, deixei de cumprir rigorosamente a agenda de governo em função da crise. Essa talvez tenha sido a principal lição: a de que o melhor remédio quando se têm problemas é trabalhar mais duro ainda.

Se uma eventual mudança nas regras do jogo permitisse disputar um terceiro mandato na Presidência, o senhor concorreria novamente em 2010?

Se eu for reeleito, não há a menor hipótese de mudança nas regras do jogo para permitir um terceiro mandato. Aliás, nunca defendi sequer a reeleição nem mudei as regras do jogo durante o meu governo.

Em todas as campanhas que disputou, um dos seus principais símbolos sempre foi a estrela do PT. Na campanha deste ano, a estrela vermelha praticamente desapareceu. E isso acontece na primeira eleição depois do escândalo do mensalão, quando o senhor procurou, como linha de defesa, dissociar sua imagem da do partido. O senhor tem vergonha do PT?

A estrela vermelha está presente na minha campanha. Sou fundador do PT e tenho muito orgulho do meu partido e da contribuição essencial que nós demos à democracia e aos direitos sociais no Brasil. O PT, nestes 26 anos, trouxe para a cena política atores sociais que jamais tiveram voz no País. Além disso, se existe uma pessoa no Brasil que não precisa de uma estrela para dizer que é do PT sou eu.

O senhor está prometendo fazer a reforma política. Esse assunto foi tema também de sua campanha anterior e de manifestações durante este seu mandato. Por que não realizou as mudanças nestes quatro anos?

O Brasil precisa fazer a reforma política com urgência. Ela é a mãe de todas as reformas. Nosso governo sempre teve consciência disso, embora a iniciativa e deliberação a respeito do assunto caibam ao Legislativo e não ao Executivo. De toda forma, tivemos de atender a outras prioridades, como vocês sabem, porque recebemos um país praticamente quebrado. Agora, felizmente, já colocamos o Brasil nos eixos. Nossa democracia completou um ciclo muito importante, no qual todos os grandes partidos foram governo. Por isso, acredito que existam todas as possibilidades de aprovar uma reforma política e eleitoral. Tenho certeza de que a grande maioria da sociedade sabe que é preciso mudar a estrutura política - com a fidelidade partidária, o financiamento publico de campanhas e outras medidas - para corrigir desvios e combater ainda mais eficazmente a corrupção. A questão da forma de fazer é relevante, mas muito mais importante é não deixar passar essa oportunidade de realizar a reforma política e fortalecer a ética na política brasileira.

O mesmo raciocínio vale para a reforma tributária. O que o leva a acreditar que desta vez será diferente do seu período presidencial que está se encerrando? Quando o senhor era da oposição, dizia sempre, sobre mudanças e reformas não realizadas, que faltava "vontade" política ao governo de então. Faltou vontade política ao governo Lula nesses casos ?

Não faltou vontade política. Ao contrário, essa foi uma prioridade do nosso governo. Ninguém pode esquecer que, em abril de 2003, eu fui ao Congresso Nacional com 27 governadores para levar uma proposta de reforma tributária. A parte federal foi votada, mas a estadual, ainda não. No mês passado, fizemos novo esforço para tentar a aprovação, propusemos até a concessão de 1% a mais do Fundo de Participação dos Municípios. A oposição, porém, não quis votar. Caso mude de idéia, poderemos ter a reforma tributária ainda este ano, com a redução do número de alíquotas do ICMS de 27 para 5. Se persistir a decisão de não votá-la agora, acredito que, com uma nova legislatura no Congresso Nacional e com os novos governadores, será possível aprovar essa reforma tão necessária ao Brasil.

Reeleito, pretende mudar a relação de seu governo com o MST? O governo cumprirá ou continuará a ignorar a medida provisória que proíbe a inclusão das terras invadidas no projeto de reforma agrária e exclui do programa também os invasores?

As relações do nosso governo com o MST e com todos os movimentos sociais e organizações da sociedade civil são boas, e podem melhorar ainda mais. Elas são sustentadas pelo diálogo constante e por negociações em que os interlocutores se respeitam, mesmo quando debatem questões divergentes. Felizmente, passou o tempo no Brasil em que as organizações sociais eram tratadas como inimigas e o Estado não lhes oferecia um diálogo democrático. (...) Entre outras instâncias de diálogo e negociação, criamos também o Fórum Nacional do Trabalho, com participação tripartite - trabalhadores, empresários e governo -, que debateu profunda e amplamente uma proposta de reforma sindical, já encaminhada ao Congresso Nacional. E decidimos, em conjunto com as centrais sindicais, o significativo aumento real do salário mínimo deste ano, processo decisório que não ocorria no País desde 1963. Quanto a essa medida provisória, herdada do governo anterior, o Incra tem seguido estritamente o que manda a lei, que teve as condições de sua aplicação reinterpretadas pelo Supremo Tribunal Federal. As eventuais controvérsias, quando não solucionadas nesses termos, têm sido encaminhadas ao Judiciário.