Título: Estrangeiro foge da infra-estrutura
Autor: Pereira, Renée
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/09/2006, Economia, p. B4

O investimento externo na área de infra-estrutura diminuiu no primeiro semestre deste ano, depois de três anos seguidos de recuperação. Segundo estudo da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e das Indústrias de Base (Abdib), de janeiro a junho o setor recebeu 14% menos dinheiro que em igual período do ano passado. O montante recuou de US$ 2,77 bilhões para US$ 2,39 bilhões, equivalente a 22,4% do volume total investido em todos os setores. Em 2005, essa participação era de 25,1%.

Segundo o presidente da entidade, Paulo Godoy, depois das privatizações e concessões, quando o setor chegou a receber 48,5% dos total do investimento externo no Brasil, o fluxo diminuiu. Mas nos últimos três anos vinha apresentando alguma reação.

Com os números do primeiro semestre, a expectativa da entidade de o setor voltar a ser a principal porta de entrada de investimentos diretos no País ficou difícil de ser concretizada. "Estamos frustrados, pois os investimentos em infra-estrutura não seguem como esperávamos", afirmou o executivo.

O levantamento da Abdib foi feito com base em dados do Banco Central (BC) nas áreas de energia elétrica, petróleo e gás, transportes, telecomunicações e saneamento. O pior resultado foi verificado na área de telecomunicações, cujos investimentos recuaram de US$ 1,27 bilhão para US$ 317 milhões.

Entre as explicações para a queda do dinheiro injetado na infra-estrutura estão às incertezas regulatórias, diz o professor da Centro de Logística (Cel), da Coppead/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Paulo Fleury.

Ele destaca que um dos problemas comuns tem sido a falta de autonomia das agências reguladoras, cujas decisões são freqüentemente revistas pelo Executivo. "No Brasil, há problemas de custo de capital, institucionais, de meio ambiente e jurídicos. Tudo isso deixa o investidor estrangeiro desnorteado", afirma Fleury.

De acordo com o professor, a única área que vinha recebendo mais recursos era a portuária, com a construção de alguns terminais. Mas, há cerca de um ano e meio, o dinheiro minguou, completou Fleury.

REGRAS

Em recentes declarações ao Estado, o superintendente da Associação Brasileira de Telecomunicações (Telebrasil), Cesar Rômulo Silveira Neto, destacou que um novo ciclo de investimentos no setor exigirá melhora da regulamentação e a independência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), que tem sofrido consecutivas interferências do Executivo.

Na área de energia elétrica, a lista de problemas é extensa, diz o presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales. Ele reclama, por exemplo, da elevada carga tributária na conta de luz, da ordem de 43,7%.

Junta-se a isso também questões regulatórias, de meio ambiente na construção de usinas e forte interferência das estatais no setor. "Demonstração disso é a participação das estatais nos leilões de energia, que aceitam fazer empreendimentos com retorno de 8%. Isso afugenta investidor", diz Sales.

PPPS AJUDARIAM

Paulo Godoy também afirma que para o setor de infra-estrutura voltar a ser uma entrada natural de dinheiro estrangeiro é preciso haver projetos de concessão e os projetos de Parcerias Público Privadas (PPPs).

"Algumas PPPs estão começando a deslanchar, mas vamos precisar de mais celeridade. Temos ótimos projetos na iminência de publicação de editais, mas há sempre empecilhos ambientais ou ações judiciais que causam atrasos", comenta.

Ele cita a segunda rodada de concessão das estradas federais, que, desde 2002, não consegue ser realizada. Para Godoy, o setor tem condições de receber investimentos de peso, já que há uma excelente carteira de projetos em várias áreas.

O presidente da Abdib destaca ainda que até 1995 a quantidade de dinheiro externo injetado na infra-estrutura brasileira representava 1,4% do total investido pelos estrangeiros no País. De 1996 a 2000, período das privatizações e concessões, essa participação subiu para 26,5%. "Precisamos de novas rodadas de licitações nas áreas de rodovias, geração e transmissão de energia, petróleo e gás", afirma Godoy.

No setor de transportes, as concessões de rodovias federais e ferrovias e os primeiros projetos de PPP podem significar investimentos da ordem de US$ 5,1 bilhões, entre dinheiro externo e interno. O setor de petróleo, segundo a entidade, deve receber até 2010 cerca de US$ 11 bilhões de empresas estrangeiras.