Título: Invasão chinesa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2006, Notas e Informações, p. A3

O consumo no Brasil aumenta mais depressa do que a produção e o excesso vem sendo coberto pelas importações, que crescem mais do que as exportações. O saldo da balança comercial continua alto, mas é cada vez mais forte o apetite do Brasil por produtos importados. Neste ano, aumentaram as importações de todas as categorias de produtos. Por causa do baixo crescimento dos investimentos, essa tendência pode se acentuar no futuro próximo.

Pertinaz e competente competidor internacional, a China vem aproveitando com grande eficácia essa situação. Ela caminha para se tornar nosso principal fornecedor não apenas de produtos de consumo, mas também de bens de capital e intermediários. Tendo conquistado enormes espaços no mercado internacional, do qual vem afastando muitos competidores, entre os quais o Brasil, a China conquista fatias cada vez maiores do mercado brasileiro.

Nos oito primeiros meses deste ano, o superávit da balança comercial brasileira totalizou US$ 29,6 bilhões, quase 5% mais do que o saldo do período janeiro-agosto de 2005, de US$ 28,3 bilhões. No período de 12 meses encerrado em agosto último, o superávit foi de US$ 46,0 bilhões, contra US$ 40,1 bilhões registrados nos 12 meses encerrados em agosto de 2005, o que indica uma situação ainda bastante confortável. Mas, neste ano, enquanto as exportações crescem ao ritmo de 15,9% em relação a 2005, as importações estão aumentando 22,5%.

O Brasil está comprando mais de todos os blocos econômicos, mas as importações que mais crescem são as originárias da Ásia, que aumentaram 36,1% de janeiro a agosto deste ano em relação aos oito primeiros meses de 2005. E esse resultado se deveu principalmente às importações de produtos chineses, que cresceram 47,5%. Com vendas de US$ 4,88 bilhões, a China é o terceiro maior fornecedor do Brasil, atrás dos EUA (US$ 9,34 bilhões) e prestes a alcançar a Argentina (US$ 4,97 bilhões).

Em quantidade, o desempenho das exportações chinesas para o Brasil é ainda mais notável. No primeiro semestre, de acordo com estudo da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), cujos resultados foram publicados pelo jornal Valor, a quantidade de mercadorias chinesas importadas pelo Brasil aumentou 55%. Praticamente dobrou a importação de bens de consumo duráveis fabricados na China, pois o aumento foi de 91% no semestre. A importação de equipamentos eletrônicos cresceu 86%; a de tecidos, 75%; e a de material elétrico, 56%.

O resultado é expressivo também para outras categorias de produtos. As compras de bens de capital aumentaram 74% no primeiro semestre e as de máquinas e tratores, 98%. As importações de bens intermediários chineses subiram 56%, com destaque para petróleo e produtos petroquímicos, cujas compras brasileiras cresceram 84,8% no primeiro semestre, e produtos siderúrgicos, com aumento de 24,5%.

Comparados com esses números, os das importações provenientes da Argentina, principal parceiro do Brasil no Mercosul, são pífios. Nos seis primeiros meses deste ano, de acordo com a Funcex, a quantidade de produtos argentinos que entrou no País foi apenas 3,5% maior do que a registrada no primeiro semestre do ano passado. Esse resultado computa o aumento de 90% das compras brasileiras de bens de consumo duráveis fabricados na Argentina, em particular automóveis, o que significa que as importações de outras categorias de produtos tiveram desempenho muito fraco.

Como grande importadora, a China abre espaço para as exportações de seus parceiros. Neste ano, o Brasil já exportou US$ 5,58 bilhões para a China, um valor 35,8% maior do que o registrado entre janeiro e agosto de 2005. O saldo acumulado nos oito primeiros meses deste ano, favorável ao Brasil, é de US$ 698 milhões. Mas, como as importações crescem bem mais depressa do que as exportações, a tendência é de que o saldo fique deficitário.

Se se confirmar a retração dos investimentos produtivos em decorrência do desânimo e da desconfiança do empresariado diante do quadro político, esse resultado surgirá mais cedo - e não será a pior coisa que poderá ocorrer para a economia brasileira caso se confirme a tendência eleitoral.