Título: Jefferson conta em livro: Lula sabia
Autor: Manzano Filho, Gabriel
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2006, Nacional, p. A21
Bom de cena, hábil domador de holofotes, o ex-deputado Roberto Jefferson escolheu a última semana da campanha eleitoral para voltar aos palcos da mídia e, num bem organizado relato de 375 páginas, reviver seu melhor momento político: a crise do mensalão de 2005, da qual foi herói, vilão, mestre de cerimônias - e, agora, narrador. Nervos de Aço, suas memórias do período entre janeiro e setembro de 2005, chega às livrarias neste fim de semana (Ed. Topbooks, R$ 39,90) como um forte libelo, do começo ao fim, não só contra o governo Lula, mas contra o PT e seus projetos políticos. Ao final, de olho nas urnas de 1º de outubro, ele faz sua previsão: se o presidente Lula for reeleito, 'o segundo mandato será dramático. Ficou tudo muito visível.'
Clientelista calejado, advogado talentoso, o Jefferson do livro é o mesmo das tribunas e da TV: um contador de casos de fala fácil, um guerreiro que, de tanto ganhar e perder, não tem medo de idéias nem de palavras. Por isso seu depoimento - organizado em 17 capítulos pelo jornalista e escritor Luciano Trigo - traça uma radiografia rara, convincente - com os devidos descontos de ser absolutamente individual - da recente política brasileira.
É uma metralhadora giratória incessante. 'Não podia acusar diretamente Lula', diz sobre a velha questão da responsabilidade do presidente no episódio, 'mas hoje penso que Lula sabia de tudo. Qualquer um que tenha convivido com a cúpula do PT sabe qual é a cadeia de comando ali', diz ele em um dos trechos mais contundentes, que assim prossegue: 'Não teve (o presidente) real compromisso com o País, além do palavrório vazio, sem apoios, sem noção, sem compostura. Sem, infelizmente, vergonha'.
Dramático, ele relata a história dos R$ 4 milhões que o PT teria prometido, e jamais entregue, ao seu PTB. 'Cometi o suicídio político. Saltei, mas levei comigo, pela mão, os meus algozes. Dei uma de taleban: enchi a roupa de bombas e entrei no avião do Lula, disposto a explodir tudo.'
Foi por causa desse dinheiro, que, enfim, ele foi cassado, a 14 de setembro. Numa série de vaivéns, quase brincando, ele deixa no ar um mistério sobre esse dinheiro - 'Politicamente recebi, tecnicamente não' (...). E ao fim lava as mãos: 'Se eu disse (uma mentira), nunca uma dissimulação teria sido tão imperiosa, tão justificada'.
AUTORITARISMO
O caso é fartamente conhecido, e Jefferson não traz, neste remake, revelações assombrosas. Ainda assim, seu relato vale pelo eixo central que vai construindo, ao longo dos capítulos: a idéia de que o mensalão, 'um processo de fidelização da base aliada por meio de mesada a parlamentares', não apenas se encaixava, mas era necessário, inevitável, na estratégia petista. O PT, diz ele, montou 'uma corrupção orgânica e uma gatunagem sistêmica'. Ao invés do corrupto tradicional, que 'aproveita as brechas', surgiu outro, que rouba 'por ideologia e desmonta o Estado por dentro'. A idéia era 'alugar parlamentares, para não compartilhar o poder' - e o mensalão, que já existia (ele reproduz as primeiras evidências dele, no governo anterior), ganhou força, para aplacar as insatisfações dos que não tinham mais, depois da ascensão da dupla Lula-Dirceu, o poder para nomear. Os projetos 'vinham fechados do Planalto' e o Congresso virou 'um mero homologador'.
E foi o empenho do PT nessa operação que, segundo ele, quebrou uma rotina que funcionava bem. E isso se deveu ao descaso, ou incompetência, de José Dirceu, a sua vítima predileta. 'Eu não traí o José Dirceu', garante. 'Ele é que não foi leal comigo.'
O autor diverte-se, em alguns trechos, dizendo por exemplo que o ministro Márcio Thomaz Bastos, advogado criminalista, foi chamado para ministro porque o governo Lula 'virou uma caso de polícia'. Mas ele não acha que, no horizonte, haja uma ditadura petista à vista. Antes, o que os petistas podem produzir, se conseguirem, será 'um regime de opressão legal, com o Estado constrangendo os indivíduos'. Talvez seja a melhor coisa que ele diz, em todo o texto, sobre a experiência petista no poder.
DIAS QUENTES
Janeiro de 2005 Roberto Jefferson fala a Lula, no Planalto, segundo seu relato, sobre a existência do mensalão
26 de abril Jefferson desentende-se com Dirceu, diante de Lula, sobre nomeação em Furnas e começa a briga entre os dois
14 de maio Aparecem as imagens de Maurício Marinho embolsando R$ 3 mil
14 de junho Roberto Jefferson revela mensalão no Conselho de Ética da Câmara
15 de junho José Dirceu deixa a Casa Civil
17 de julho Lula admite, em Paris, que o PT fez caixa 2, 'como todos os partidos'
14 de setembro Roberto Jefferson é cassado por 313 votos a 156
29 de março de 2006 CPI dos Correios pede cassação de 19 parlamentares
O QUE ELE DISSE
Roberto Jefferson Ex-deputado (PTB)
¿Ninguém no Congresso se elegeu sem caixa 2. Ninguém¿
¿Em vez de compartilhar o poder, (o PT) quer comprar a fidelidade¿
¿Lula não teve real compromisso com o País além do palavrório vazio, sem apoios, sem compostura. Sem, infelizmente, vergonha¿
¿Dei uma de taleban. Enchi a roupa de bombas e entrei no avião do Lula, disposto a explodir tudo¿
¿O que se anuncia é um cenário de ingovernabilidade, com um presidente atordoado e confuso¿
¿PT e PSDB são as torres gêmeas do sistema partidário brasileiro¿
¿Assumi meus erros com serenidade. Caixa 2 todo mundo sempre fez, mas mensalão nunca recebi¿
¿Quando a coisa ficou feia para o Gushiken, ele (Lula) disse: `Você errou, mas fica aqui que eu boto a mão na sua cabeça, japoronga¿
¿Não traí o Dirceu. Ele é que não foi leal comigo¿