Título: A economia e a crise política
Autor: Ming, Celso
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/09/2006, Economia, p. B2

A crise política assustou o mercado financeiro. Em apenas uma semana, o prêmio de risco que os investidores exigem para ficar com títulos brasileiros subiu 29 pontos ou 13,3% e a Bolsa mergulhou 3,8%. (Veja o gráfico.)

Há duas perguntas a responder: (1) até aonde vai esse azedume? e (2) até que ponto a economia brasileira vai deixar-se contaminar pela crise política?

Primeiro é preciso separar o mau humor interno do externo. Há também um desassossego lá fora, com impacto aqui dentro, com a queda abrupta dos preços das commodities e a cisma recorrente de que a economia americana enfrenta risco de colapso a partir do eventual estouro da bolha imobiliária. Hoje, esta coluna só vai falar da questão interna.

Os mercados financeiros são assim, reagem negativamente quando algo inesperado invade o universo de suas expectativas. Por enquanto, bateram nos ativos não porque identificaram efeitos sobre as finanças públicas, a atividade econômica e a capacidade de condução da política monetária pelo Banco Central. Bateram porque não gostaram do que viram e tiveram medo.

Desde maio do ano passado, as CPIs se sucederam. Houve a dos Correios, a do Mensalão e a dos Sanguessugas. As revelações foram estarrecedoras, o presidente Lula disse que foi traído e que o PT devia explicações e pedidos de desculpas e algumas cabeças rolaram. Enfim, aconteceu de tudo, mas, afora algumas sacudidelas, o mercado financeiro e a economia seguiram descolados das contorções políticas.

Desta vez, o que já se sabe é grave porque, além de caracterizar crime eleitoral, traz indícios de malbaratamento de recursos públicos. No entanto, a menos que se queira evocar a síndrome da gota d'água que justifique um transbordamento que até hoje não ocorreu, não dá para afirmar que agora a natureza das transgressões seja mais grave do que a das anteriores, as mesmas que não comoveram os mercados nem contaminaram a economia.

O que ainda se pode perguntar é o quanto do que já se sabe vai prejudicar a governabilidade do País se o vencedor das eleições, como nos dão conta as pesquisas, for o presidente Lula. É preciso descartar a hipótese do impeachment. Se não vingou antes, não teria por que vingar agora, a menos que algo de muito mais grave se conheça.

Há uma certa divergência em torno da natureza das reformas necessárias para desobstruir os caminhos em direção ao crescimento sustentado. Mas não há dúvida quanto à sua necessidade. O próprio presidente Lula tem reconhecido que é preciso implantar a reforma tributária e levar adiante a reforma política, a do sistema sindical e a das leis trabalhistas. Não há quem negue a necessidade de dar agilidade ao Poder Judiciário. E falta equacionar o crescente déficit da Previdência Social, tão letal para o equilíbrio das contas públicas.

Para avançar nessas matérias, é preciso que o chefe de governo tenha uma base mínima de apoio no Congresso. O presidente Lula vinha acenando para a costura de um acordo político que garantisse sua aprovação.Embora a oposição visse nessa iniciativa manobras destinadas a passar a impressão de favas eleitorais contadas, é difícil imaginar que essas reformas não sejam também do seu interesse.

Para 2010, o presidente Lula não tem sucessor natural. O PSDB, principal partido da oposição, tem dois: Aécio Neves e José Serra, prováveis vencedores nestas eleições. Eles precisarão mostrar serviço e não poderão desgastar-se com uma estratégia do tipo 'quanto pior, melhor'.

Isso parece indicar que a crise política tende a perder força, se não antes, ao menos logo após as eleições. E, como não há nada no desempenho da economia que sugira deterioração dos seus fundamentos, também não há por que apostar no derretimento das condições do mercado financeiro.

Se este entendimento estiver correto, o mercado financeiro não demorará a recompor-se.