Título: A fritura da austeridade
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo federal não vai mais adotar um redutor global de gastos em 2007, segundo informou o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. A proposta de um corte equivalente a 0,1% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2006 partiu do próprio Executivo, no semestre passado. Está incluída no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), ainda não aprovada, e deveria valer para a programação financeira do próximo exercício. Mas a mudança não implica, de acordo com o ministro, abandono das promessas de austeridade. Nesta altura, no entanto, o cumprimento dessa promessa não depende apenas dele.

O limite proposto na LDO seria mais um fator de engessamento das finanças públicas, disse o ministro Paulo Bernardo. A nova idéia, acrescentou, é criar normas diferenciadas para gastos específicos.

Se o objetivo do governo é realizar um ajuste organizado, concentrando os cortes nos gastos correntes e abrindo espaço para mais investimentos, a idéia é boa, mas não é novidade nem é incompatível com a adoção de um redutor geral.

Em termos muito amplos, o primeiro desafio para o governo é fazer sua despesa crescer menos que o PIB. Terá de fazê-lo para conter a expansão da dívida pública e para diminuir a carga tributária. Essa necessidade é básica e não há como contorná-la. O gasto público, sejam quais forem seus componentes, não pode aumentar, por muito tempo, mais do que a riqueza produzida pelo País. No Brasil, o Estado já absorve cerca de 40% do PIB, o gasto público tem crescido seguidamente e é preciso inverter essa tendência.

O segundo problema é elevar a qualidade do Orçamento, reduzindo o peso da despesa corrente e reservando uma parcela maior da receita para o investimento e para a prestação de serviços indispensáveis.

A questão não se resolve apenas com decisões financeiras. Estas são essenciais, mas é preciso associá-las a mudanças de natureza administrativa e política. A eficiência do Estado é indispensável à criação de uma economia mais produtiva, mais competitiva e mais capaz de criar emprego e renda para todos os cidadãos.

Até agora, a opinião pública só recebeu do governo duas informações seguras quanto a seus propósitos. Uma corresponde à decisão de abandonar o redutor de gastos incluído no projeto original da LDO. Quanto a esse ponto, o ministro do Planejamento apenas confirmou uma notícia divulgada pelo Estado no domingo.

A outra informação, igualmente preocupante, refere-se à disposição do governo de ampliar a lista de bondades fiscais - já houve muitas na fase eleitoral -, de aumentar seus investimentos e de não aprofundar a reforma previdenciária.

Em algum momento, admitiu o ministro, será necessária uma discussão mais ampla sobre o futuro da Previdência, mas agora não se pensa nisso.

Mais de um mês decorreu desde o segundo turno das eleições e o governo ainda não foi capaz de apresentar um plano de trabalho para o segundo mandato. O presidente da República tem cobrado de seus auxiliares idéias audaciosas para a promoção do crescimento, como se o ajuste das contas públicas fosse um desafio vencido. Tem mostrado impaciência quando se fala em cortar despesas e quando se menciona o problema previdenciário.

O abandono da idéia de um redutor geral de gastos combina perfeitamente com a disposição exibida pelo presidente e por seus conselheiros mais próximos, como a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro para Assuntos Institucionais, Tarso Genro, arautos da ¿era pós-Palocci¿.

Em contrapartida, é muito difícil perceber como esse estado de espírito possa conciliar-se com a adoção de critérios específicos para a redução de gastos decorrentes, por exemplo, do aumento do salário mínimo e da reestruturação de carreiras.

Por enquanto, o placar do jogo de influências no governo federal indica uma vitória folgada do velho petismo, parcialmente reprimido no primeiro mandato graças à influência do ministro Antonio Palocci, dos principais assessores do Ministério da Fazenda e do presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Se a atual tendência do jogo for mantida, a política monetária será atingida num dos próximos lances. O presidente poderá, então, reafirmar plenamente seu compromisso com o passado.