Título: 61% da bancada investigada por controlar emissoras se reelege
Autor: Ramos, Dhéa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Nacional, p. A8

Nas eleições deste ano, conseguiram se reeleger 31 dos 51 deputados federais investigados sob acusação de serem donos de emissoras de rádio e TV. Onze deles ficaram entre os cinco mais votados em seus Estados. O índice de reeleição entre os proprietários de meios de comunicação eletrônicos, que atingiu 61%, foi muito superior ao geral da Câmara, de 51% - indicação de que ter emissora pode significar vantagem eleitoral.

O Ministério Público Federal há um ano investiga os parlamentares apontados como donos de rádios e TVs. No entendimento dos procuradores, os artigos 54 e 55 da Constituição proíbem os congressistas de controlar emissoras e prevêem até a cassação como pena.

Nas eleições, exemplo emblemático foi o do deputado Jader Barbalho (PMDB), reeleito com 311,5 mil votos, campeão entre a bancada dos 17 deputados paraenses e parlamentar que faz parte do pequeno grupo de 32 deputados eleitos que conseguiram superar o quociente eleitoral - no Pará esse quociente foi de 183,4 mil eleitores, número mínimo para o deputado se eleger sem auxílio dos votos de legenda e de outros candidatos de sua coligação.

Jader é apontado como dono da RBA Rede Brasil Amazônia de Televisão, afiliada da TV Bandeirantes no Estado, e da Belém Radiodifusão. Além disso, é um dos 11 investigados que também fazem parte da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara.

Entre as atribuições da comissão, está a votação dos pedidos de outorga e renovação das concessões de rádio e TV, podendo vetá-los ou aprová-los. O veto depende do voto de, no mínimo, dois quintos do Congresso, em votação nominal. Nunca na história das duas Casas um pedido de outorga ou renovação foi vetado.

'Claro que na disputa eleitoral, os concessionários levam vantagem inicial, por causa do papel da mídia, da capacidade de influenciar os eleitores', avalia Venício Lima, professor do Núcleo de Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB) e quem primeiro identificou os 51 deputados com controle direto sobre veículos de comunicação eletrônicos. Neste mês, completou um ano que o ProJor, entidade mantenedora do Observatório da Imprensa, pediu ao Ministério Público que investigasse os parlamentares, a partir do levantamento feito pelo professor.

Quem toca a investigação é a procuradora Raquel Branquinho, que já requisitou informações ao Ministério das Comunicações sobre o cadastro oficial de sócios de rádios e TV. A procuradora informou, por meio de sua assessoria, que o próximo passo será enviar ofício ao presidente da Câmara, Aldo Rebelo, para que informe quais são os deputados titulares de concessões de rádiodifusão.

O Ministério Público pode pedir a instauração de ação penal contra os que forem considerados infratores, o que levaria até a perda do mandato. Ou pelo ajuizamento de ações por improbidade administrativa, para que os parlamentares se afastem da sociedade das empresas de comunicação. Se entender que não há irregularidade, a procuradora pode simplesmente arquivar a investigação.

Conforme revelou o Estado em reportagem de 2 de julho, 1 em cada 10 deputados da atual legislatura é apontado como proprietário direto - em nome próprio - de emissora. No Senado, isso ocorre com 25 parlamentares, sendo 14 proprietários diretos e 11 indiretos - os veículos estão em nome de parentes ou de terceiros.

Entre os eleitos em outubro, pelo menos seis deputados já foram indicados como concessionários. No Senado, ingressaram quatro parlamentares considerados concessionários diretos de rádio ou TV e pelo menos um indireto. No rol dos que detêm a concessão no próprio nome, está o ex-presidente Fernando Collor (PRTB-AL), proprietário do grupo Gazeta, afiliado da TV Globo em Maceió. Em julho, o próprio ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB-MG), despontava no banco de dados do ministério como titular da concessão da rádio FM ABC, de Barbacena (MG). Após a publicação da reportagem, Costa afastou-se da sociedade, agora registrada em nome de um irmão, José Calixto da Costa Filho.

EFEITOS

No artigo 54, a Constituição proíbe deputados e senadores, desde a expedição do diploma, de 'firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público'. O dispositivo também veda que parlamentares sejam 'proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público'. No artigo 55, a Constituição prevê a perda do mandato do congressista que desobedecer qualquer das proibições do artigo anterior.

'Muitos alegam que são sócios, mas não são dirigentes', afirma o professor Venício Lima. 'Ou então que os veículos estão registrados em nome dos filhos ou da mulher. Ora, se não é ilegal, a situação é no mínimo aética.' No entendimento do professor da UnB, não há a conscientização de que o controle dos meios de comunicação é um bem de propriedade pública. Daí o conflito gerado entre o interesse particular do deputado-concessionário e o interesse público. 'A propriedade não é cedida, mas transmitida temporariamente para que o concessionário gere programação de interesse social', explica. No caso das TVs, a concessão dura 15 anos e, no das rádios, 10 anos - ambos passíveis de renovação.

Até 2003, o cadastro de sócios e diretores de rádios e televisões era mantido em sigilo pelo Ministério das Comunicações. Somente na gestão do ex-ministro Miro Teixeira (2003-2004) os dados se tornaram acessíveis ao público.