Título: Concessões foram renovadas em bloco
Autor: Ramos, Dhéa
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Nacional, p. A9

A Câmara aprovou a outorga e a renovação das concessões de 58 emissoras de rádio e TV comerciais e de 77 educativas ou comunitárias. A votação foi feita em bloco - 135 processos foram chancelados de uma só vez. Deputados reclamam que nem o relator tem acesso a informações sobre o titular da concessão; não dá para saber se pertence a um parlamentar ou se cumpre as obrigações trabalhistas, por exemplo. Os processos são instruídos apenas por um relatório do Ministério das Comunicações.

Mais uma vez, nenhum caso foi rejeitado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), a quem cabe decidir sobre as renovações. 'É o chamado 'voto de Davi': diz que viu, mas não viu', definiu Walter Pinheiro (PT-BA), que votou contra as renovações e outorgas de emissoras comerciais, por julgar que não tinha informação suficiente para decidir. Também votaram contra as comerciais Orlando Fantazzini (PSOL-SP) e Mariângela Duarte (PT-SP). 'Sem saber se estão regulares ou não, desaprovamos ao menos as comerciais, que visam ao lucro', explicou Fantazzini, voto vencido na comissão.

Segundo o deputado, embora a Constituição de 1988 tenha atribuído ao Congresso o papel de sancionar os atos de outorga e renovação do Executivo, por meio do Ministério das Comunicações, na prática o papel dos parlamentares tem se restringido ao de homologadores. 'É um desplante. A função do relator tem se restringido a dizer sim ou não ao ato do ministério.'

Os deputados se queixam da falta de transparência num assunto de interesse público, já que as emissoras são autorizadas a transmitir conteúdos com 'finalidade educativa e cultural' e de 'interesse nacional', como se lê no site do Ministério das Comunicações.

'Não vou dizer que estamos fazendo papel de bobos, porque aqui ninguém é bobo', desabafou o presidente da comissão, Vic Pires Franco (PFL-PA), referindo-se às aprovações de renovações em bloco. 'Mas se tivermos de continuar votando assim, vou suspender a votação das TVs enquanto não houver critérios rígidos para as análises', ameaçou, durante a reunião da semana passada.

EM CAUSA PRÓPRIA

Dos 51 deputados sob investigação do Ministério Público Federal sob acusação de possuírem emissora, 11 integram a Comissão de Ciência e Tecnologia. Desses, dois estão em situação curiosa. Corauci Sobrinho (PFL-SP), apontado pelo cadastro do ministério como proprietário da Rádio Renascença de Ribeirão Preto (SP), e Nelson Proença (PPS-RS), considerado dono das Emissoras Reunidas, em Alegrete (RS) e Santa Cruz do Sul (RS), são investigados pela Procuradoria da República porque, em reuniões da comissão em 2003, teriam votado pela renovação das próprias concessões de rádio, segundo denúncia sob análise da procuradora Raquel Branquinho.

Em novembro de 2005, quando foi iniciada a investigação, Proença disse que votou pela renovação da concessão da própria rádio sem perceber, porque os processos foram votados em bloco. Segundo ele, basta o deputado estar presente no dia, que consta da ata que ele votou a favor. Corauci sustentou que se declarou impedido e que o ato consta da ata de votação. Na época, ele teria transferido a presidência da CCTCI, que exercia, para o vice.

O artigo 180 do Regimento Interno da Câmara diz que, diante de situação que possa significar que o parlamentar esteja legislando em causa própria, o deputado é obrigado a declarar-se impedido de votar. Para efeito de quórum, o voto é considerado branco. Caso contrário, o parlamentar pode responder a processo no Conselho de Ética.

Os outros nove deputados investigados pelo Ministério Público que também fazem parte da CCTCI são Fábio Souto (PFL-BA, vice-presidente da comissão), Aníbal Gomes (PMDB-CE), Pedro Irujo (PMDB-BA), José Rocha (PFL-BA), Júlio César (PFL-PI), João Batista (PP-SP), Ricardo Barros (PP-PR), Francisco Garcia (PP-AM, suplente) e Henrique Alves (PMDB-RN, suplente).