Título: 'Revolução bolivariana' de Chávez avança sobre interesses brasileiros na América Latina
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Internacional, p. A12

A 'revolução bolivariana' de Hugo Chávez não se restringe à Venezuela. Desde 1999, o país constrói um arco de alianças estratégicas para ampliar sua influência não só na região, como em todo o mundo. Chávez, cumprindo seu projeto revolucionário cívico-militar, agiu rápido para ocupar, primeiro na América Latina, o vazio deixado pelos EUA no período pós-Guerra Fria. Nesse esforço, avança também sobre a área de influência do Brasil e os interesses brasileiros na região.

O caso mais exemplar desse processo ocorreu em 1º de maio, quando o governo boliviano de Evo Morales nacionalizou o setor de gás e petróleo da Bolívia, até então controlado em grande parte pela brasileira Petrobrás. Evo agiu sob a influência de Chávez, que lhe deu apoio político e ofereceu a logística da estatal venezuelana PDVSA para manter a operação dos poços de gás, caso o rompimento do contrato levasse a Petrobrás a se retirar da Bolívia.

Dias depois, Chávez participou da reunião em Foz do Iguaçu entre o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, e Evo para tratar do assunto. Nos bastidores do encontro, as conversas entre brasileiros e venezuelanos foram mais duras do que o habitual.

'Aliado a Evo, e agora provavelmente a Rafael Correa no Equador (país que tem imensas reservas de gás natural), Chávez tem sob sua influência grande parte das fontes energéticas estratégicas da região', disse ao Estado a especialista em relações internacionais da Universidade Central da Venezuela, Carmen Rosa. 'É um trunfo importante, levando-se em conta a dependência do Brasil em relação ao gás boliviano, por exemplo.'

Senhor de uma das maiores reservas de petróleo do planeta, com o Golfo Pérsico conturbado pela guerra no Iraque, Chávez tem cacife suficiente até mesmo para moderar as ações dos EUA - que têm na Venezuela seu quarto maior fornecedor do produto. Embora os falcões da Casa Branca não suportem o atrevimento de alguém que só se refere ao presidente George W. Bush como 'El Diablo', o Departamento de Estado se esforça para mostrar moderação nas relações com Caracas.

Chávez sabe usar como ninguém a moeda do petróleo e se beneficiou do cenário internacional, que elevou o preço do barril de US$ 11,91, quando venceu a eleição de 1998, para os atuais US$ 60,40. Graças ao fornecimento do petróleo venezuelano a preços privilegiados, a pré-falimentar economia de Cuba renasceu e voltou a crescer. Outros pequenos países do Caribe também se beneficiam do petróleo venezuelano. Para influenciar na eleição de Daniel Ortega na Nicarágua, em novembro, Chávez forneceu combustível barato para as prefeituras do país governadas pelos sandinistas, do mesmo partido de Ortega.

Com os cofres cheios, Chávez usou seus petrodólares para comprar US$ 2,5 bilhões em bônus da dívida externa argentina, em 2005. Em julho de 2006, realizando um antigo sonho do presidente, a Venezuela formalizou sua entrada como membro pleno do Mercosul.

Chávez vai além do continente. Assina acordos com a China e com a Líbia de Muamar Kadafi, envia petróleo barato a países africanos, compra fuzis e aviões da Rússia, busca encomendar navios militares na Europa, insulta Bush na Assembléia-Geral das Nações Unidas e ocupa cada vez mais um papel de protagonismo na comunidade internacional.

'Internacionalmente, Chávez tem hoje a imagem do líder sul-americano, um papel que até pouco tempo atrás era de Lula, não só por sua história como também pela importância do Brasil na região', disse ao Estado um diplomata europeu baseado em Caracas, sob a condição de não ter seu nome revelado. 'No começo, a visão que se tinha de Chávez na Europa era a de um caudilho com alcance político local. Mas com a agressividade de sua política externa e o dinheiro do petróleo, essa idéia mudou.'