Título: Chávez rejeita 'pacto com a elite' e promete reformar a Constituição
Autor: Lameirinhas, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Internacional, p. A12

Na primeira entrevista coletiva depois de sua vitória, o presidente venezuelano, Hugo Chávez, reeleito no domingo, afirmou que, logo depois de retornar da viagem que inicia hoje a Brasil, Bolívia e Argentina, vai instalar uma comissão presidencial para definir as propostas de reforma da Constituição de 1999. O projeto de reforma passará primeiro por um debate na Assembléia Nacional e, de acordo com o presidente venezuelano, 'será submetido a um referendo nacional já no ano que vem'.

'Ninguém vai me tirar deste caminho para o socialismo, ainda mais agora com esses 7 milhões de votos', disse Chávez.

Segundo ele, representantes da oposição serão convidados para integrar a comissão. Durante a campanha eleitoral, Chávez ameaçou reformar a Carta para remover o artigo que limita a reeleição presidencial a uma única vez e tornar mais rígida a regulamentação sobre os meios de comunicação.

Derrotado no domingo, o governador licenciado do Estado de Zulia, Manuel Rosales, também deu entrevista, e afirmou que a oposição liderada por ele também instalará uma comissão para apresentar suas propostas ao governo. No entanto, isso está longe de significar que chavistas e antichavistas ensaiam uma convivência política menos turbulenta.

Rosales disse que a oposição exigirá o estabelecimento de um mandato presidencial de quatro anos, em dois turnos, e novas eleições legislativas, para que os partidos da oposição estejam representados na Assembléia Nacional. Em dezembro do ano passado, os partidos opositores se retiraram da eleição em protesto conta a lei eleitoral, o que deu ao chavismo a totalidade das 165 cadeiras da Casa.

As reivindicações são consideradas inaceitáveis pelo governo de Chávez. O presidente rejeitou qualquer possibilidade de 'pacto com a elite' e disse que não seria moral reduzir o mandato dos deputados eleitos. 'A oposição cometeu o erro de se retirar da eleição no ano passado. Agora, que se organize para as eleições de governadores, em 2008', afirmou.

Chávez disse também que estaria disposto a estabelecer um diálogo com os EUA, 'desde que essas conversas se dessem sem condições prévias'. 'É preciso fortaleza de espírito para falar com o diabo (como Chávez se refere a George W. Bush), mas até Cristo debateu com o diabo e nossas portas estão abertas a todos os governos do mundo, sempre que ele não nos venham com condições.'

'Que bom que alguém no governo dos EUA reconheça que na Venezuela nós vivemos uma democracia', afirmou em relação a uma declaração do subsecretário de Estado americano Thomas Shannon.

Durante a entrevista, Chávez também leu uma mensagem de saudação do presidente cubano, Fidel Castro.

O presidente também agradeceu a atitude de Rosales, que reconheceu o resultado de domingo, 'depois de ásperas discussões e as pressões dos setores golpistas, incluindo os donos dos meios de comunicação, que insistiam para que ele saísse denunciando uma fraude'. Na sua entrevista, Rosales admitiu que alguns partidários lhe informaram sobre irregularidades, mas não apresentaram provas consistentes. No entanto, negou ter sofrido pressões.

Horas antes, Chávez foi proclamado vencedor da eleição de domingo pela presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Tibisay Lucena. O último boletim anunciado pelo CNE, com 90,96% dos votos apurados, dá a Chávez 62,57% dos votos, descontados votos brancos e nulos. Rosales tem 37,18%. Seu mandato inicia no próximo 10 de janeiro e termina na mesma data em 2013.

A missão de observadores eleitorais da União Européia relatou 'desequilíbrios' na campanha eleitoral, com o favorecimento da candidatura de Chávez com a propaganda institucional do governo e o assédio aos funcionários públicos para que votassem na reeleição do presidente. O relatório, porém, afirma que os resultados da eleição foram aceitáveis.

A divulgação antes do primeiro boletim oficial do CNE, no domingo, de uma pesquisa de boca-de-urna pela emissora de TV a cabo Telesur custou ontem o cargo ao ministro das Comunicações, William Lara, um dos rostos mais conhecidos do chavismo. A Telesur tem 80% de capital venezuelano e tem sede em Caracas, embora tenha participação acionária também da Argentina, Uruguai e Cuba.