Título: País ignora metade das mortes de crianças
Autor: Rodrigues, Karine
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/12/2006, Vida&, p. A17

Crianças que nascem e morrem diariamente no País permanecem invisíveis para as estatísticas oficiais. Apesar da melhoria na cobertura dos dois indicadores, o IBGE estima que metade (50,9%) dos óbitos de crianças com menos de 1 ano de idade no ano passado não constam em documentos.

No Nordeste, a exceção virou regra: 69,5% das mortes estão fora dos registros. Além disso, quase 375 mil bebês, dos estimados 3,2 milhões dos nascidos em 2005 (11,5% do total), prosseguiam até abril sem certidão de nascimento, essencial para o exercício da cidadania e relevante para o acesso aos benefícios sociais dos governos, assim como para o ingresso no sistema formal de educação.

Para o IBGE, contribuem para o sub-registro a desinformação sobre a importância do documento, o acesso difícil aos cartórios, inexistentes em cerca de 400 municípios, e até a falta de dinheiro para os deslocamentos. 'Especificamente em relação ao registro de nascimento, há outras dificuldades, como o não reconhecimento da paternidade, e pais adolescentes que adiam o registro até que atinjam a maioridade', explica o gerente de Estatísticas Vitais e Estimativas Populacionais do instituto, Cláudio Dutra Crespo.

No caso dos nascimentos, desde o início da década, houve uma queda de quase oito pontos porcentuais nos sub-registros, sendo que a maior delas ocorreu nos dois últimos anos. A redução, diz o IBGE, é reflexo da queda da fecundidade e também de várias iniciativas promovidas para se alcançar a universalização, fazendo com que toda criança nascida tenha logo acesso à certidão.

ENTERRO SEM CONTROLE

'Os ganhos em relação à cobertura de óbitos são mais frágeis do que os obtidos nos de nascimentos. Ainda há no País muitos sepultamentos feitos em locais que não são exatamente clandestinos, pois são públicos, porém, não controlados. É um esforço grande que os governos têm de ter', alerta o coordenador de População e Indicadores Sociais do IBGE, Luiz Antonio Oliveira, referindo-se à necessidade de iniciativas para mudar a situação atual.

O sub-registro foi um dos principais problemas enfrentados pela economista Ana Paula Bastos, da Universidade Federal do Pará, ao analisar a mortalidade infantil para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). 'O problema é os dados chegarem ao Sistema Único de Saúde. Como ele é alimentado via computador, postos de saúde de algumas partes do País não têm como repassar as informações. É uma das faces da exclusão digital.' As dificuldades não atingem só o interior. 'Nas metrópoles também há sub-registro em favelas e áreas pobres. A precariedade é do sistema como um todo', diz.

ESTÍMULO

Presidente da Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais, José Emygdio de Carvalho Filho sugere como saídas para diminuir o sub-registro no País um maior rigor na exigência das certidões de óbito e de nascimento e também a associação de algum tipo de ganho a partir da emissão do documento, como ocorre atualmente em relação às gratificações dadas a unidades de assistência à saúde que estimulam o registro antes da alta hospitalar da mãe. 'Seria importante atrelar o documento a algum tipo de transferência', diz, ressaltando a importância da fiscalização, já que, segundo ele, há cemitérios que enterram pessoas sem o documento de óbito.

Técnico do IBGE, Celso Simões avalia que, de fato, é preciso algum tipo de ação governamental, já que a subnotificação de óbito dificilmente é recuperada nos anos posteriores, ao contrário do que ocorre com o de nascimento, que pode ser solucionado ao longo da vida. Em 2005, 13,5% do total de registros foram feitos tardiamente.

DUAS TAXAS DE MORTALIDADE

Por isso, observa Simões, há uma diferença grande na taxa de mortalidade infantil dependendo da base de cálculo: a indireta, calculada pelos censos e pela Pnad 2004, e a direta, determinada pelo registro civil.

No cálculo direto, a taxa nacional de mortalidade infantil, no ano passado, é de 13,6 a cada mil nascidos vivos, mas no indireto sobe para 24,5. No Nordeste, a discrepância é de 170%, indicando a importância da redução do sub-registro.

Ana Paula lembra também que em algumas regiões do País há bebês que não nascem no sistema público ou particular, mas em domicílios. Não à toa, a pesquisa mostra que, na análise de registros tardios, há um crescimento significativo dos nascimentos em residências, de 1,9% para 24,8%.

No Estado de São Paulo, 16,1% dos nascimentos registrados tardiamente tinham local de ocorrência ignorado, reflexo, segundo Carvalho Filho, de campanhas em instituições psiquiátricas, onde os internos são abandonados sem qualquer informação sobre nascimento.

COLABOROU CLARISSA THOMÉ