Título: O álcool mais caro
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2007, Notas e Informações, p. A3

O aumento, em dezembro, dos preços do álcool hidratado que é misturado à gasolina foi a demonstração mais recente da técnica dos usineiros para desfrutar do melhor dos mundos: na entressafra, quando o produto é escasso, defendem o regime de mercado, com preços livres; e na safra, quando sobra álcool combustível, reclamam a intervenção do governo para garantir preços.

Entre a última semana de novembro e a última semana de dezembro, em São Paulo, houve elevação de 12,91% dos preços médios do álcool hidratado nas usinas - de R$ 0,74659 o litro para R$ 0,84299 o litro -, segundo pesquisa do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea/USP).

Em alguns Estados, como o Rio, a alta foi maior e às vésperas do Natal os usineiros elevaram os preços do litro de álcool de R$ 0,7678 para R$ 0,9060.

Segundo uma dirigente do Sindicato do Comércio Varejista de Derivados de Petróleo (Sincopetro) da área de Sorocaba, os reajustes para o consumidor final chegaram a 20%. Na semana passada, o aumento médio, nos postos, foi de R$ 0,10, chegando a R$ 1,39 o litro. Nesta semana, o preço chegou a atingir R$ 1,50.

Nada se compara, por ora, à disparada de preços observada no início de 2006, quando o álcool, nas bombas, chegou a superar a casa dos R$ 2,00 o litro. Mas, ainda assim, a alta não se justifica. Com o crescimento de 10,1% da safra de cana da maior região produtora, não há risco de desabastecimento do mercado interno, admite a União da Agroindústria Canavieira de São Paulo (Unica), que representa os usineiros.

Além disso, nesta safra as usinas produziram mais álcool do que açúcar. Por isso, uma dirigente do Sinduscon, Ivanilde Vieira, considerou que a alta em curso é ¿extremamente oportunista¿, além de qualificar como ¿absurda¿ a alegação das usinas de que faltaria álcool.

Para justificar o aumento, usinas e distribuidoras argumentam que a crise nos aeroportos estimulou as viagens de automóvel. Além disso, os veículos bicombustíveis, que também consomem álcool, já predominam no segmento de novos. Em 2006, até novembro, foi vendido 1,26 milhão de veículos flexfuel, responsáveis por 77% do total.

Assim como a crise dos aeroportos deveu-se à inépcia do governo federal, o aumento da demanda de álcool do fim de ano também decorreu de equívocos oficiais.

Não há motivos para manter a atual proporção de álcool misturado à gasolina, elevada de 20% para 23%, em 20 de novembro. Nada justificou essa decisão, que deu prioridade às conveniências dos usineiros, que querem ter compradores cativos para seus excedentes, e não aos consumidores.

Aumentos de preços e ameaças de desabastecimento se repetem a cada ano, desde 2002, quando ocorreu a liberação dos preços dos combustíveis, em toda a cadeia de produção e comercialização. Em 2003, governantes chegaram a afirmar que bastaria o convencimento e o cumprimento de compromissos com os usineiros para que fosse restabelecido o equilíbrio entre a oferta e a demanda de álcool. É claro que isto não basta.

Se há uma intervenção razoável, esta seria a da formação, pelo governo, de estoques reguladores de álcool, para serem liberados tanto nas crises artificiais - como a atual, em que os produtores pretendem levar vantagem injustificada - como nas crises reais, quando ocorre, de fato, um quadro de escassez.

Adotado o regime de livre mercado, não há como evitar que os preços dependam da oferta e da demanda, inclusive internacional, que agora aumenta devido ao crescente interesse dos países industrializados por combustíveis menos poluentes, como o álcool. Mas esta demanda ainda não é grande a ponto de afetar o abastecimento doméstico.

Nas condições atuais, não é justificável que o governo mantenha em 23% a proporção de álcool na gasolina. A elevação, adotada em hora errada, deveria ser imediatamente revogada. A alta dos preços é o melhor indicador de uma política oficial mal calibrada.