Título: O que os 'sem-terra' querem
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/01/2007, Notas e Informações, p. A3
Parece um contra-senso que duas das principais organizações que fizeram da reforma agrária o motivo de sua existência agora estejam em campanha para a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário, criado justamente para cuidar da reforma agrária.
Fossem corretas, no entanto, as motivações da Comissão Pastoral da Terra (CPT), vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e do Movimento dos Sem-Terra (MST) para propor o fim do Ministério do Desenvolvimento Agrário, até se poderia concordar com a sugestão. Afinal, para o País e mesmo para os próprios assentados nas propriedades redistribuídas pelo governo do PT, a ação do Ministério tem tido escassos resultados positivos.
Mas não é por causa da ineficácia, da ineficiência, da quase inutilidade desse órgão governamental e do custo que sua existência impõe aos contribuintes que a CPT e o MST querem seu fechamento. Querem-no simplesmente porque não o dominam, como dominam o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) - cujo fortalecimento, por isso mesmo, propõem como contrapartida à extinção do Ministério.
Porque não dominam o Ministério do Desenvolvimento Agrário, as duas organizações o acusam, como mostrou reportagem de Roldão Arruda publicada há dias pelo Estado, de ter se transformado em ¿elefante branco¿, num ministério ¿fantasioso¿ e ¿sem pasta¿, que ¿só serve para tornar mais burocrática a execução da reforma¿. O que propõem é a elevação do ¿status¿ do Incra, que deixaria de ser uma autarquia subordinada ao Ministério, para vincular-se diretamente à Presidência da República.
Propostas como essas não surpreendem quem conhece a maneira como o MST atua. É da lógica dos movimentos ditos sociais, aos quais o presidente da República e seu partido, o PT, se vincularam, a ocupação, de maneira direta ou indireta, de todos os espaços que possam preencher, especialmente em órgãos públicos. No governo do PT, esses espaços, sujeitos a aparelhamento, foram largamente ampliados.
Não satisfeitos em dominar, por meio de militantes ou simpatizantes, órgãos como o Incra, agora querem ficar mais perto do poder central, da Presidência da República, pois, como disse João Pedro Stédile, da coordenação nacional do MST, ¿não tem sentido o ministério ficar no meio, se não tem poder nem instrumentos para atuar na reforma agrária¿.
Não se pode, porém, concordar com essa lógica de movimentos como a CPT e o MST. Ao agir primeiro com leniência e depois com uma condescendência que beirava a cumplicidade a atos notoriamente ilegais do MST e de outras associações de igual inspiração, o governo petista deu-lhes uma força política desproporcional a sua real importância social. Não pode ceder-lhes mais espaço. Precisa, muito pelo contrário, reduzir-lhes o espaço que já têm.
Se mudanças são necessárias no Ministério do Desenvolvimento Agrário, elas apontam na direção contrária à sugerida pela CPT e pelo MST. É preciso cobrar-lhe competência. A reforma agrária do governo do PT é ruim não porque é lenta, como afirmam essas organizações. É ruim porque dela resultam o abandono ou a transferência ilegal dos lotes recebidos pelos assentados, a baixíssima produtividade das lavouras por eles conduzidas, a decadência social das famílias que ocuparam essas terras e até desvios de verbas transferidas pelo governo para associações informais ligadas aos sem-terra. Retirar do Ministério do Desenvolvimento Agrário a Secretaria da Agricultura Familiar, devolvendo-a ao Ministério da Agricultura, seria outra providência destinada a melhorar sua atuação.
Do ponto de vista político e administrativo, como advertiu o deputado federal e ex-ministro do Desenvolvimento Agrário Raul Jungmann (PPS-PE), é um risco subordinar a questão da reforma agrária diretamente à Presidência. ¿Seria uma loucura jogar no gabinete do presidente da República os conflitos de terra de todo o País.¿
Para Jungmann, só mesmo a ânsia por mais poder parece justificar a proposta da CPT e do MST. ¿Eles querem um ministério para eles, para o seu aparelho político.¿