Título: Desde 2003, MPs trancam seis de cada dez sessões
Autor: Filgueiras, Sônia
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2007, Nacional, p. A8

As medidas provisórias editadas pelo governo Lula provocaram um estrago e tanto nos trabalhos da Câmara. Entre 2003 e 2006, de cada dez sessões de votação, em seis nenhuma matéria legislativa foi votada. A pauta estava travada por causa de medidas provisórias pendentes. Nessas sessões só foram votadas questões administrativas, como perda de mandato de deputados e indicações de ministros para o Tribunal de Contas da União (TCU). O pior ano foi 2005, quando o escândalo do mensalão desarticulou a base do governo: 75,84% das sessões ficaram obstruídas.

Em 2006, foram 65,71%. Entre 13 de fevereiro e 12 de julho, apenas dez sessões deliberativas foram realizadas. Nos dias 25 e 26 de abril, a pauta da Câmara ficou emperrada por sete medidas provisórias acumuladas.

Ao longo de seu primeiro mandato, Lula editou em média uma medida provisória por semana. A maioria esmagadora acabou contribuindo para emperrar a pauta da Câmara. Não foi muito diferente o desempenho do governo Fernando Henrique Cardoso em seu último ano de mandato - o primeiro em que funcionaram as atuais regras de tramitação de MPs. Em 2002, 48 das 75 sessões realizadas pela Câmara acabaram bloqueadas por causa de MPs pendentes. Ou seja, 64%.

As obstruções criaram confusão e atrasaram o exame de projetos importantes. O PSDB cita como exemplo o Super-Simples, um de seus projetos mais queridos. O texto, que amplia o acesso de pequenas e microempresas à tributação reduzida e simplificada, estava pronto para ir a votação pelo plenário desde o início de 2006, mas por causa das obstruções só teve a votação concluída em novembro.

O governo é igualmente vítima dos trancamentos. A MP que criou a Super-Receita (resultado da união das Secretarias da Receita e da Arrecadação Previdenciária) em agosto de 2005 ficou parada na fila das votações e acabou perdendo a eficácia em dezembro. Transformada em projeto de lei, tramita até hoje. Em setembro de 2003, o Executivo foi obrigado a revogar uma medida provisória de seu interesse para liberar a pauta e conseguir aprovar a emenda constitucional que prorrogou a vigência da CPMF, sem a qual previa o caos na arrecadação tributária.

A mudança na tramitação das medidas provisórias foi aprovada pelos parlamentares em setembro de 2001. Pelas novas normas, se as medidas provisórias não são apreciadas no prazo de 45 dias, passam a travar a pauta de votações no que diz respeito a matérias legislativas. Não podem ser examinados projetos de lei, propostas de emenda constitucional nem requerimentos relacionados a questões legislativas.

Além do mecanismo da obstrução da pauta, ficou estabelecido que, se não for examinada em 120 dias, a medida provisória perde sua eficácia. A possibilidade de reedição de uma mesma MP, como ocorria até 2001, também foi eliminada.

O objetivo das novas regras era conter a avalanche de reedições de medidas provisórias. Em seus dois mandatos, por exemplo, Fernando Henrique assinou mais de 5 mil reedições. Mas a mudança acabou provocando novas distorções.

Para a oposição, a responsabilidade é do governo, que abusa no uso desse instrumento. O líder da minoria na Câmara, José Carlos Aleluia (PFL-BA), reclama que não é possível votar um número de MPs tão elevado como o editado pelo Executivo. 'O governo poderia ser mais parcimonioso, mas a Câmara também atrasa as votações', rebate o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR).

Os atrasos na Câmara têm repercussão no Senado. A Casa raramente consegue cumprir os prazos previstos em suas normas, pelos quais as MPs devem ser enviadas aos senadores em seu 28º dia de vigência.

Na maioria dos casos, elas chegam ao Senado com mais de 45 dias de vigência e travando a pauta de votações. Lá, acabam sendo debatidas e votadas a toque de caixa, o que prejudica a qualidade das discussões.

USO ESTRATÉGICO

A obstrução por causa das medidas acabou se transformando ainda em ferramenta estratégica da própria base governista. Para contornar as custosas negociações na Comissão de Orçamento sobre projetos que precisam de autorização para gastos extra-orçamentários, o governo tem editado MPs.

Em dezembro, foram pelo menos cinco medidas, abrindo créditos extraordinários no total de R$ 11,4 bilhões em favor de vários ministérios. A prática irrita a oposição, pois, editada a MP, o crédito é liberado e o dinheiro é gasto, tornando inócua qualquer discussão.

Parlamentares da oposição acusam o governo de retirar deputados do plenário para evitar votações de MPs e manter a pauta obstruída, como forma de segurar projetos que não deseja ver aprovados. Isso foi feito no primeiro semestre do ano passado, quando medidas que envolviam gastos extras entraram na pauta. Em 2005, quando o escândalo do mensalão golpeou os principais líderes da base aliada, deixando-a desorganizada, o governo usou as obstruções para evitar derrotas.

A oposição critica o governo ainda por juntar em uma mesma MP assuntos diversos, argumentando que contraria a boa prática legislativa. O Congresso discute alternativas para mudar as regras e reduzir as obstruções, mas não chegou a nenhum resultado até agora.