Título: Al-Qaeda poderia ter bomba em 1 ano
Autor: Sant'Anna, Lourival
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2007, Internacional, p. A14

Uma mensagem atribuída ao líder da Al-Qaeda no Iraque, Abu Hamza al-Muhajer, conclamou em setembro cientistas nucleares e especialistas em explosivos a se juntarem ao grupo. 'O campo da jihad pode satisfazer suas ambições científicas, e as grandes bases americanas (no Iraque) são bons lugares para testar suas armas não-convencionais', disse a provável voz de Al-Muhajer, na gravação de 20 minutos. Foi a manifestação de um antigo desejo.

As tentativas da Al-Qaeda de conseguir a bomba datam do período em que o grupo se voltou contra os Estados Unidos - seus antigos aliados -, por causa da presença de tropas americanas na Arábia Saudita, terra sagrada do Islã, a partir de 1990. Enviados de Osama bin Laden teriam pago, em 1993, US$ 1,5 milhão a um ex-ministro sudanês por um cilindro de urânio altamente enriquecido, que depois descobririam estar vazio.

A trapaça não desencorajou a organização. Em agosto de 2001, um mês antes do ataque às Torres Gêmeas, Bin Laden se reuniu com dois ex-diretores do programa nuclear paquistanês. No encontro, o líder da Al-Qaeda teria pedido ajuda para recrutar cientistas com experiência na fabricação de armas nucleares.

Dois meses depois dos atentados nos Estados Unidos, Ayman al-Zawahiri, número 2 da Al-Qaeda e considerado o seu 'cérebro', disse a um jornalista paquistanês que a organização tinha comprado no mercado negro artefatos nucleares da antiga União Soviética.

'Se você tem US$ 30 milhões, vai ao mercado negro na Ásia Central, entra em contato com um cientista soviético desgostoso, e muitas valises-bomba estão disponíveis', assegurou Al-Zawahiri ao cético repórter. 'Eles nos contactaram, mandamos nosso pessoal para Moscou, para Tashkent (Usbequistão) e para outros países da Ásia Central e eles negociaram, e adquirimos algumas malas-bomba.'

Apesar da autoconfiança de Al-Zawahiri, a maioria dos especialistas acredita que a Al-Qaeda, a maior rede terrorista transnacional, ainda não tenha um artefato nuclear em condições de ser empregado. A maior evidência é que ela não o empregou. Mas isso não quer dizer que não possa obtê-lo.

ROTEIRO

Em artigo publicado na edição francesa deste mês da Foreign Policy (publicação da Carnegie Endowment for International Peace, de Washington), dois especialistas americanos traçaram um roteiro de como a Al-Qaeda poderia chegar à bomba.

O artigo é assinado por Peter Zimmerman, ex-chefe da Agência de Controle de Armas e de Desarmamento dos EUA e da assessoria científica da Comissão de Relações Exteriores do Senado americano; e por Jeffrey Lewis, diretor-executivo do Projeto Atômico do Centro Belfer para Ciência e Assuntos Internacionais da Escola de Governo da Universidade de Harvard.

Na simulação de Zimmerman e Lewis, o grupo levaria um ano para construir uma bomba caseira, com 19 peritos e um orçamento de US$ 5,433 milhões (ver tabela). A bomba seria montada em território americano, por exemplo num rancho no Texas ou no Wyoming, para evitar os riscos de travessia da fronteira com um artefato pronto. Uma vez concluída, a bomba seria transportada, numa van alugada, para Washington ou Nova York, por estradas vicinais.

O urânio altamente enriquecido seria acondicionado num cilindro, feito com o mesmo material, e disparado por um canhão de artilharia leve. A força da explosão seria equivalente a 12,5 quilotons de TNT, próxima à da bomba lançada sobre Hiroshima em 1945, que matou cerca de 150 mil pessoas.

INTERNET

Segundo os especialistas, todo o equipamento necessário está disponível na internet. O know-how da bomba atômica, lembram eles, já tem mais de 60 anos. Sua fabricação é mais fácil, argumentam, que a das outras armas de destruição em massa - as químicas e as biológicas. Ao mesmo tempo, bombas atômicas reúnem duas características que em geral separam duas modalidades de atentados: são capazes de matar um grande número de pessoas e de destruir alvos altamente protegidos.

A equipe seria chefiada por um cientista com experiência em projetos desse tipo, auxiliado por dois jovens doutores em física nuclear. Pequenas equipes de engenheiros realizariam as seguintes tarefas: moldar o urânio ao cilindro; fabricar a arma; montar o conjunto; supervisionar o sistema eletrônico e preparar a explosão.

A mais difícil delas, dizem os especialistas, seria dar forma ao urânio, que se funde a uma temperatura muito alta. Para isso, seria necessário um forno a vácuo, disponível na internet por menos de US$ 50 mil. Os torneiros provavelmente praticariam antes em peças de urânio natural.

O torno de precisão necessário para usinar o urânio altamente enriquecido pode ser comprado por menos de US$ 10 mil no site eBay, garantem Zimmerman e Lewis. O canhão de artilharia leve também custaria isso no mercado de armas ou na internet. Outros instrumentos necessários podem ser encontrados em qualquer departamento de física de uma universidade, e nenhum deles requer autorização especial para ser comprado.

Os estudiosos estimam que uma quantidade suficiente de material físsil, como o urânio enriquecido, pode ser comprada por US$ 3 milhões a US$ 5 milhões no mercado negro. As bases do cálculo são o negócio frustrado da Al-Qaeda com o ex-ministro sudanês e uma transação flagrada pela polícia de Praga em 1994, envolvendo uma rede de contrabandistas checos, eslovacos e russos, que tentavam vender 40 quilos de urânio enriquecido.

MERCADO ATÔMICO

O artigo de Zimmerman e de Lewis termina onde começa uma extensa investigação publicada em dezembro pela revista americana Atlantic Monthly: como e onde conseguir urânio altamente enriquecido. Nela, William Langewiesche, autor de The Atomic Bazar, que será publicado em maio, mostra as vulnerabilidades das instalações nucleares russas, como a de Ozersk, antiga cidade secreta ao pé dos Montes Urais. Ali, funcionários mal pagos e imersos numa cultura de corrupção poderiam fornecer os 50 quilos de urânio altamente enriquecido necessários para uma explosão.

A Agência Nacional de Segurança Nuclear (NNSA), dos Estados Unidos, tem fornecido dinheiro e assistência técnica para a proteção de 52 instalações nucleares russas identificadas como as mais problemáticas. Os efeitos práticos têm sido limitados.

Uma história bizarra ilustra as dificuldades. Um portal de detecção de material radioativo colocado na saída de uma instalação permanecia desligado. Um agente americano perguntou o motivo a um guarda russo. 'Ele vivia disparando', explicou o russo, 'porque as pessoas pescam no lago e passam por aqui com os peixes.'

Especialistas ouvidos por Langewiesche consideram pouco plausível que a Coréia do Norte ou o Irã venham a fornecer o combustível a um grupo terrorista: o custo da reação dos EUA e da comunidade internacional seria muito mais alto que o eventual benefício político.

Langewiesche percorreu as trilhas de contrabando de combustível e tráfico de ópio controladas pelos curdos, na fronteira da Turquia com a Geórgia, a Armênia, o Azerbaijão e o Irã, por onde o material poderia passar, vindo da Rússia, até mesmo no lombo de mulas.

O terrorismo nuclear parece uma aventura inédita e difícil. Mas não impossível.