Título: Recuperação indica que Fidel foi vítima de erro médico
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2007, Internacional, p. A16
A recuperação de Fidel Castro, anunciada no final de 2006, criou uma dor de cabeça em Havana, pois implica no reconhecimento de que ele foi vítima de um erro médico.
Fidel passou seis meses sendo tratado como doente terminal, que estaria às voltas com um câncer no intestino. A notícia deu um ritmo acelerado à sucessão cubana, uma das mais duradouras ditaduras criadas no século XX, e gerou articulações, dentro e fora do país, em função de possíveis mudanças no comando do regime. Depois que o médico espanhol José Luis Garcia Sabrido revelou que seus exames não encontraram sinais de malignidade, a equipe de especialistas cubanos caiu em desgraça, informam pessoas familiarizadas com o comando do regime.
O azar de Fidel é que, até por uma questão de lógica, um erro de diagnóstico sempre leva a um erro no tratamento. Ele passou meses sendo medicado de forma inadequada, além de enfrentar cirurgias arriscadas para um paciente com 80 anos. Celebrada pela qualidade de sua medicina pública, o tratamento de Fidel já é apontado como exemplo do atraso de Cuba na medicina de ponta. Boa parte dos medicamentos prescritos por Sabrido terão de ser importados, pois não estão disponíveis no país.
A dúvida, no momento, consiste em saber se a recuperação de Fidel será duradoura - ou se, mesmo sem um tumor maligno, poderá enfrentar uma recaída em breve. A verdade é que as certezas são poucas. Sabrido admitiu que não encontrou um tumor maligno - mas evitou detalhes sobre a doença.
Erros médicos sempre produzem seqüelas políticas quando envolvem chefes de Estado. O diagnóstico que hoje se define como errado apressou o afastamento de Fidel e a nomeação do sucessor, o irmão Raúl Castro. O próprio Fidel conduziu o processo. Mas o curioso é que o convite para a visita de Sabrido não partiu de Raúl. Foi uma iniciativa de Fidelito, filho de Fidel, diz uma fonte ouvida pelo Estado.
Examinadas à luz do exame de Sabrido, cenas e eventos inspiradas pelo diagnóstico anterior se revelam apressadas. Raúl tornou-se uma presença freqüente na TV estatal, como se a morte do irmão fosse ocorrer a qualquer momento. Substituiu Fidel em eventos importantes, como a última sessão da Assembléia Nacional, o parlamento cubano, em 2006. Fez intervenções e mostrou, pouco a pouco, disposição de assumir a função de líder máximo - embora a cadeira de Fidel tenha ficado vazia ao longo de todas as sessões.
A TV estatal cubana também produziu e exibiu uma espécie de videoclipe onde Raúl era exibido entre imagens históricas da Revolução, num discurso onde falava do compromisso 'do povo cubano' para defender 'a nova pátria', o legado de Fidel e 'o socialismo e a soberania nacional'.
O diagnóstico de Sabrido dá um novo ritmo a esse processo. Não se espera o retorno de Fidel às atribuições anteriores, mesmo que a saúde venha a permitir. O efeito seria enfraquecer Raúl. Neste momento, Havana considera que a chamada transição começou com o afastamento de Fidel e se encerrou com a nomeação de Raúl.