Título: Um exemplo da compaixão destrutiva do populismo
Autor: Montaner, Carlos Alberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2007, Internacional, p. A17

Hugo Chávez vai enviar 40 usinas elétricas auxiliares a seu amigo Daniel Ortega. São pequenas e ineficientes, mas ajudarão a mitigar os apagões que penalizam os nicaragüenses. Juntamente com as usinas, Chávez enviará petróleo ao líder sandinista e, seguramente, abrirá uma generosa linha de crédito para ele. O governo cubano oferecerá médicos, operações de catarata, alfabetização, e senhores que ensinem a dar saltos com vara ou jogar beisebol. Com esses elementos, Daniel Ortega começará a aumentar sua base de apoio popular. Na quarta-feira ele assumirá o poder com 60% da população contra, mas se dispõe a superar esse inconveniente tecendo uma clientela eleitoral que no futuro lhe devolverá nas urnas os bens e serviços fornecidos.

É assim que o populismo revolucionário erige seu respaldo de massa. Ele não gera condições para que a sociedade crie riquezas, mas alivia a miséria recrutando no processo um exército de estômagos agradecidos.

Eles 'dão' coisas 'grátis', e invertem as relações normais entre a sociedade e o governo. Grátis é um modo de dizer, claro, porque alguém sempre paga pelo bem ou serviço que se outorga. Numa sociedade bem organizada, o governo vive da sociedade. Na populista, a sociedade vive do governo. Mas como o governo populista destrói as fontes de capital, a espiral invertida gira de forma vertiginosa: quanto mais populismo, mais pobres, mas quanto mais pobres, mais clientes para aumentar a base de apoio.

Assim foi o governo do Partido Revolucionário Institucional mexicano durante 70 anos. Quando ele perdeu o poder, metade do país era miserável. Durante o chavismo, o número de pobres venezuelanos aumentou 8% - a mesma porcentagem de aumento do chavismo 'duro'. Além disso, essa compra obscena e contraproducente de consciências se apresenta como uma forma superior de solidariedade moral. Como se opor à doação de comida e roupa aos pobres, de água e eletricidade sem custo, ou à cura de suas doenças? Então a compaixão não é uma atitude admirável? Depende. A compaixão pode ser terrivelmente destrutiva. Um cocainômano com síndrome de abstinência alivia sua dor e sua ansiedade com uma dose da droga, mas se dermos essa dose, tudo que conseguimos é perpetuar o problema.

Evidentemente, o primeiro objetivo comum de qualquer sociedade madura e com um governo responsável deve ser ocupar-se dos problemas mais urgentes que as pessoas indefesas sofrem, mas sem esquecer que o fim da pobreza nunca é alcançado com gestos demagógicos executados por governos populistas. O que se aprende com as sociedades que conseguiram erradicar ou reduzir os índices de pobreza é que esse objetivo é alcançado com uma combinação de boa educação, transferências tecnológicas, investimentos nacionais e estrangeiros, garantias jurídicas e instituições eficientes, pressão fiscal razoável e gastos públicos reduzidos, de maneira que vá se expandindo um tecido empresarial privado mais denso, competitivo e sofisticado, para que aumentem progressivamente os salários dos trabalhadores.

A tragédia consiste em que essa mensagem política é muito pouco atraente. Ela fala de responsabilidade, e não de direitos. Acentua a liberdade para construir o próprio destino, com os riscos que isso implica, e não a tranqüilidade passiva de quem espera que lhe fabriquem a vida de fora. Ela nega aos governos a faculdade de moldar nossa existência. Por isso é tão difícil a batalha. Os cantos de sereia são sempre mais agradáveis de ouvir, mesmo que nos levem ao desastre.