Título: 'A economia mundial terá mais um bom ano'
Autor: Modé, Leandro
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/01/2007, Economia, p. B6
Divulgada na quarta-feira, a ata da última reunião do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) acabou com a onda de otimismo que tomava conta dos mercados financeiros globais neste início de ano. O documento revelou que a instituição está mais preocupada com a intensidade da desaceleração da economia dos Estados Unidos do que se esperava. Além disso, o BC americano reiterou suas preocupações com a inflação. Nesse cenário, a possibilidade de um corte da taxa básica de juros no país no primeiro semestre, como cogitavam muitos analistas, tornou-se remota. O diagnóstico do Fed aumentou a chamada aversão ao risco. Em bom português, significa que investidores tiraram dinheiro de países emergentes como o Brasil para aplicar em ativos mais seguros. Não é à toa que a Bovespa despencou mais de 4% na sexta-feira. Kenneth Rogoff, professor da Universidade de Harvard e ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), não está preocupado com essas reações. 'É difícil encontrar racionalidade em movimentos semanais dos mercados', disse ao Estado, por telefone, de Washington. Para ele, o cenário mais provável ainda é o de um pouso suave para a economia dos EUA. A seguir, trechos da entrevista.
O mercado vinha demonstrando grande otimismo com os EUA. O sr. concorda com essa visão?
É difícil encontrar racionalidade em movimentos semanais dos mercados acionários. O cenário central para a economia dos EUA é de pouso suave, no qual o crescimento vai desacelerar para um nível abaixo da tendência média, mas não muito abaixo, nos próximos um ou dois anos. Nesse período, o país vai digerir o boom do mercado imobiliário. Uma recessão é possível, claro, pois costumamos ter recessões a cada dez anos. Estamos no sexto ano seguido de expansão. Mas a possibilidade de que ocorra é baixa, de cerca de 20%.
A ata do Fed altera a sua análise?
Não. O Fed admitiu que talvez estivesse um pouco otimista com a atividade econômica.
Qual a sua projeção de crescimento para os EUA este ano?
Em torno de 2,6% a 2,7%.
O que espera da taxa de juros? Pode cair já no primeiro semestre?
Não é o mais provável. A inflação ainda está acima da zona de conforto. Enquanto não cair mais claramente, é difícil o Fed cortar a taxa, sobretudo porque a economia caminha para um pouso suave. Não vejo uma redução, a menos que haja uma piora dramática nas condições econômicas.
O cenário mais provável, então, é de manutenção nos 5,25%?
Sim, por um bom tempo. Há ainda uma chance de ir para cima antes de cair. É possível que a inflação suba mais, pois os salários estão avançando e o desemprego está baixo. Se houver mais pressões inflacionárias, não creio que o Fed hesitará em subir o juro.
O sr. vê alguma recessão nos EUA nos próximos anos?
Em geral, o que se segue a um período de boom é uma recessão. Nesse sentido, é provável que os EUA tenham uma desaceleração um pouco mais forte daqui a dois ou três anos. Mas ainda não vemos isso. Devemos ficar especialmente atentos ao mercado imobiliário. É difícil ver como uma desaceleração se dará nos EUA, uma vez que os preços do setor não param de subir em diversos lugares do mundo. Tem havido uma grande correlação nos preços de residências ao redor do mundo nos últimos 10 anos. É claro que há várias diferenças, mas é difícil imaginar que os preços nos EUA vão cair se a valorização se mantém em outras partes do planeta, como o Reino Unido. Isso enfraquece a visão de que há uma bolha nos EUA que deve entrar em colapso. Acredito que os preços do setor declinarão marginalmente no próximo ano, mas não creio que veremos vendas maciças. Algo de fora tem de acontecer para puxar o gatilho, como um evento geopolítico importante ou uma grande catástrofe.
O que o sr. espera para economia mundial este ano?
Haverá uma desaceleração modesta. Enquanto EUA e Japão estão desacelerando, a Europa deve continuar com performance melhor que a esperada. A China terá outro ano de bom crescimento.
Nos últimos anos, muitos analistas têm dito que os desequilíbrios da economia americana desembocariam numa crise. Mas isso não ocorreu. Há algo de diferente na economia mundial hoje que explique por que esses desequilíbrios têm se mantido?
O aprofundamento das finanças e a globalização financeira podem ter ajudado a sustentar os grandes déficits fiscal e em conta corrente dos EUA por mais tempo do que no passado. De outro lado, um fator mais importante é a relativa estabilidade política mundial. Pode parecer estranho dizer isso, levando-se em conta as invasões dos EUA ao Iraque e Afeganistão e a instabilidade na Coréia do Norte. Mas, em comparação com décadas anteriores, tem sido um momento relativamente estável. Isso tem dado apoio à globalização. A despeito disso, ainda acho que o déficit em conta corrente dos EUA é uma enorme vulnerabilidade. Diferentemente de algumas pessoas, que dizem que pode continuar assim nos próximos 10 ou 15 anos.
Qual o papel da China no momento atual da economia?
A China tem sido o motor do crescimento global, é o epicentro dos mercados emergentes. Produziu enormes ganhos de produtividade e tem ajudado a manter a inflação baixa, a transmitir tecnologia, etc. Diria também que o fato de a China estar focada em seu êxito econômico, em vez de usar o crescimento de seu poder para fomentar problemas ao redor do mundo, como fazia a União Soviética, é muito positivo.
Qual o impacto disso para países emergentes como o Brasil?
É um período tremendo para a América Latina, o melhor desde os anos 70. Em parte, esse desempenho se deve às reformas promovidas pelos países da região. Mas também - e principalmente - ao ambiente econômico muito forte. A preocupação que tenho é se as economias latino-americanas atingiram um ponto em que estariam imunes a uma piora do ambiente na China.
O grande tema no Brasil hoje é o crescimento econômico. Na sua avaliação, o que o País deveria fazer para crescer mais?
Do ponto de vista macroeconômico, o Brasil é muito sólido. Mas, no front microeconômico, infelizmente, há muito a fazer. Uma questão é a reforma trabalhista, que torne mais flexíveis as leis. Também é preciso aprimorar o mercado de crédito. Os mercados financeiros no Brasil são, ao mesmo tempo, incrivelmente sofisticados e muito pequenos. O crédito em diversas áreas ainda é primitivo. O Brasil também tem de se abrir mais do ponto de vista de comércio exterior. O País também deveria estreitar as relações com a China e outros mercados desenvolvidos de forma a driblar o protecionismo de que é vítima, especialmente na área agrícola. A infra-estrutura é uma limitação. O sistema de educação melhorou nos anos 90, mas estacionou nos últimos anos.
O Brasil não tem aproveitado esse bom momento da economia mundial e cresce pouco. Essa é a avaliação interna. O sr. concorda?
Certamente. O Brasil deveria estar crescendo 5% ou 6% ao ano com uma economia mundial tão forte. O País tem capacidade para crescer nesse nível por muito tempo, desde que faça reformas. Se não, o País fica muito inflexível. Muitas áreas da economia brasileira são fechadas, inflexíveis. Isso precisa mudar.
O sr. vê alguma grande crise econômica no horizonte?
Temos vulnerabilidades, como o déficit em conta corrente dos EUA e o crescimento massivo dos fundos de hedge. Há muitas áreas em que posso apontar vulnerabilidades, mas não veremos uma grande crise na economia mundial enquanto conseguirmos manter uma relativa estabilidade do sistema político. Há lugares, claro, onde podemos ter problemas. A situação dos EUA no Iraque, por exemplo, é extremamente instável. Há a Coréia do Norte, que é imprevisível. E até mesmo o terrorismo. Mas a estabilidade política permanecerá relativamente forte em 2007.