Título: A recriação do CNJ
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2007, Notas e Informações, p. A3
Não foram apenas as tentativas de devolver as férias coletivas à magistratura, de permitir o pagamento de vencimentos acima do teto salarial a juízes estaduais e de pagar jetons aos seus integrantes que levaram o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a terminar o ano com sua imagem desgastada perante a sociedade. O órgão, que foi criado para fazer o controle externo do Poder Judiciário, também se desviou do rumo original por se converter numa espécie de escoadouro de pretensões e queixas de natureza corporativa, chegando a ponto de ter suas pautas ocupadas por reclamações de juízes de primeira instância que não conseguiram marcar férias no mês desejado.
Além disso, candidatos derrotados em concursos públicos para a magistratura passaram a impetrar no CNJ recursos contra as bancas examinadoras, questionando os gabaritos e até reivindicando que as correções das provas fossem avaliadas por seus professores particulares. Na penúltima sessão de 2006, a pauta do órgão foi composta basicamente por problemas comezinhos como esses, o que levou alguns conselheiros a protestar.
¿É preciso recuperar a função precípua do conselho, de promover o planejamento estratégico do Judiciário. Acho absurdo o rumo que tomamos¿, reclamou Douglas Cavalcanti, que é juiz trabalhista. ¿Aqui agora só se discutem casos individuais. Temos de mudar isso¿, disse Joaquim Falcão, que é professor da Fundação Getúlio Vargas, não pertence à magistratura e propôs aos demais conselheiros que o CNJ, a partir de agora, só delibere sobre matérias de interesse público e de relevância nacional.
A revolta parece ter produzido resultados positivos. O CNJ decidiu criar uma comissão com o objetivo de formular um novo regimento para substituir o que está em vigor há um ano e meio. A idéia é restringir a pauta do órgão apenas a questões administrativas mais amplas e aos problemas que afetam a estrutura organizacional das diferentes instâncias e braços especializados do Judiciário. Segundo uma das propostas de reforma que foram apresentadas na última sessão de 2006, se dois terços dos 15 integrantes do colegiado se recusarem a julgar um determinado caso, o assunto não poderá ser objeto de deliberação.
Embora a comissão não tenha prazo para entregar o anteprojeto do novo regimento do Conselho, alguns conselheiros pretendem instituir o quanto antes um mecanismo semelhante ao que foi recentemente regulamentado pelo Congresso, para ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se do critério de ¿repercussão geral¿, um instituto processual inspirado na Suprema Corte dos Estados Unidos e previsto pela reforma do Judiciário, aprovada há dois anos.
Mais conhecido nos meios jurídicos como ¿argüição de relevância¿, esse mecanismo dá aos 11 ministros do Supremo competência legal para selecionar os processos que irão julgar, com base no interesse público, deixando os recursos sem relevância nacional à apreciação dos demais tribunais superiores, como o Superior Tribunal de Justiça. A idéia de alguns integrantes do CNJ é que o órgão examine apenas questões judiciais de ¿repercussão geral¿. Os demais casos ficariam sob responsabilidade dos órgãos especiais dos tribunais e de suas corregedorias.
A elaboração de um novo regimento, como se vê, representa uma oportunidade ímpar para que o CNJ possa ser inteiramente reformulado, apesar de estar há apenas um ano e meio em funcionamento. Mesmo assim, esse desafio não será fácil de ser vencido, pois alguns dos 15 conselheiros, não por acaso pertencentes aos quadros da magistratura, já deixaram claro que resistirão a qualquer mudança. A sessão de 5 de dezembro é um bom exemplo dos embates que serão travados. Depois de passar um bom tempo debatendo se iriam ou não apreciar questões de interesse individual, sob a forma de recursos impetrados por candidatos derrotados em concursos públicos ou de juízes preteridos em promoções, vários conselheiros responderam afirmativamente e exigiram que a reunião fosse retomada com discussões de caráter meramente corporativo.
As dificuldades que o CNJ vem enfrentando para cumprir o papel modernizador para o qual foi criado dão a medida do desafio que é reformar os tribunais brasileiros.