Título: Diplomacia de olho na América do Sul
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2007, Nacional, p. A9

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia hoje seu segundo mandato convencido de que acertou em todas as frentes abertas na política exterior nos últimos quatro anos. Como quem aprecia máximas dos campos de futebol, manterá o trinômio que conduz a área externa de seu governo desde 2003 - o chanceler Celso Amorim, o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães e o assessor Marco Aurélio Garcia. A trinca preservará a estratégia de aprofundar as relações com o mundo em desenvolvimento, de jogar todas as fichas na conclusão da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) e de apostar na liderança do Brasil na América do Sul.

Até o final de 2010, o Itamaraty deverá expandir as frentes da Cooperação Sul-Sul, que mal consegue hoje administrar, em ações consistentes com a cartilha do primeiro mandato presidencial. O governo tratará de buscar as regiões negligenciadas em seu primeiro mandato - como os países do Sudeste Asiático - e tentará levar adiante o projeto de expansão do Mercosul, com a inclusão da Bolívia e do Equador como sócios plenos e a tentativa de concluir acordos comerciais do bloco com a América Central e o Caribe.

Escorado na autorização do Congresso para a contratação de 400 novos diplomatas e também para embarcar as primeiras levas para a vizinhança e aos rincões mais desfavorecidos do mundo, os quadros do Ministério das Relações Exteriores terão de pular miudinho para atender às demandas de uma política que não fixa claramente suas prioridades.

As primeiras incursões da diplomacia no segundo mandato terão como cenários Quito e Davos. Lula assistirá no dia 15 de janeiro à posse do líder esquerdista Rafael Correa na Presidência do Equador, fato que causa a Washington o temor de expansão do nacionalismo inspirado pelo venezuelano Hugo Chávez. No final do mês, discursará em favor da retomada da Rodada Doha da OMC no Fórum Econômico Mundial, na Suíça.

REEDIÇÃO

Depois de sua declaração de que não fez um governo de esquerda, o presidente Lula decidiu cancelar sua presença na posse do ex-líder guerrilheiro Daniel Ortega na Presidência da Nicarágua, no dia 10, e sua visita ao enfermo Fidel Castro, presidente de Cuba, inicialmente prevista para o dia 12. Mas sua programação inicial prevê uma visita oficial aos Estados Unidos até o final de abril, em uma clara reedição do encontro que teve com o presidente americano, George W. Bush, em junho de 2003.

Lula terá diante de si a tarefa de tornar realidade as quimeras apontadas no primeiro mandato como as prioridades da política exterior. Com a morte da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) no seu primeiro mandato - graças, em boa medida, à atuação do Itamaraty -, o projeto de integração da Comunidade Sul-americana de Nações (Casa) será uma das mais penosas missões para a equipe dedicada à área externa.

Às atitudes instáveis de Chávez e de Evo Morales, presidente da Bolívia, somam-se as incertezas sobre os rumos que Correa tomará no Equador, o atual conflito entre Argentina e Uruguai e a deficiência do próprio governo antever crises e, em especial, as decisões na vizinhança que contrariam os interesses brasileiros. Foi o que aconteceu em maio, quando o anúncio do decreto de nacionalização do setor de gás e de petróleo por Evo Morales pegou Lula e seus ministros de surpresa.

Amorim pretende concluir o projeto de integração sul-americana que acalenta desde que comandou o Itamaraty pela primeira vez, entre 1993 e 1994.

A busca por uma vaga permanente para o Brasil no Conselho de Segurança das Nações Unidas voltará a receber a atenção do Itamaraty e do Planalto e a inspirar novas caravanas anuais de Lula pelo continente africano. A razão é simples: com 53 Nações, a África tem votos suficientes para definir a reforma do Conselho ou deixá-la em banho-maria até ser esquecida. A dificuldade maior continuará na negativa de Washington e de Pequim à reforma e na tarefa de dobrar a resistência de argentinos e colombianos em ver o Brasil alçado para o grupo que delibera sobre as questões mais delicadas do cenário internacional.