Título: Movimentos sociais: fim da trégua
Autor: Paraguassú, Lisandra
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2007, Nacional, p. A11

A calmaria pode ter acabado. Depois de um primeiro mandato quase sem problemas com os movimentos sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá enfrentar muito mais cobranças, manifestações e ações radicais nos próximos quatro anos. A promessa é dos próprios movimentos: não vai haver trégua a partir deste mês.

Apesar de garantirem que sempre mantiveram a independência, representantes dos movimentos sociais são os primeiros a reconhecer que foram mais brandos com o primeiro governo de Lula do que nos períodos anteriores. Num primeiro momento, foi a euforia de ver, finalmente, um partido de esquerda no poder no Brasil. A desculpa usada pelo próprio presidente Lula, de que havia recebido uma ¿herança maldita¿ da governo Fernando Henrique Cardoso, colou.

Depois de dois anos, já havia tempo suficiente para o governo Lula se estruturar, mas a crise política de 2005, com as denúncias de mensalão e de corrupção generalizada no governo, levou os movimentos a recolherem as armas. ¿Do meio para o fim, houve um período de instabilidade e havia o temor de que a pressão terminasse por cair no jogo da oposição. Havia até um certo temor de que se permitisse a volta da direita¿, analisa o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Gustavo Petta.

Mas as condições mudaram. ¿Agora não tem mais nada disso. O governo está forte e com mais condições de fazer as mudanças para a qual foi eleito. Não tem mais porque termos paciência¿, diz o presidente da união dos estudantes.

O primeiro mandato deixou um rastro de insatisfação entre os movimentos sociais.

Apesar de ¿perdoarem¿ o que chamam de um ritmo lento do primeiro governo Lula, a falta de ação em várias áreas fez com que os movimentos montassem uma lista de reivindicações que não foram atendidas. ¿Não houve mudanças estruturais, não alimentamos ilusões¿, avalia José Batista de Oliveira, da direção nacional do Movimento dos Sem-Terra. ¿As mudanças foram pontuais. Não avançou na reforma agrária, não avançou na distribuição de renda. É preciso mudança de rumo¿, defendeu Oliveira.

PRIMEIRAS AÇÕES

As cobranças devem começar cedo. As primeiras ações já estão sendo preparadas para janeiro. Em março e abril, o clima deve esquentar. Como já é tradicional, o MST prepara para esses meses uma série de manifestações e ocupações. A marcha do salário mínimo, já avisaram as centrais sindicais, vai ser mantida, mesmo que com reivindicações que ultrapassem o tema, já que o governo acabou de acordar uma política de valorização do mínimo para os próximos quatro anos.

E a Coordenação Nacional dos Movimentos Sociais está se preparando para um grande ato conjunto em que o tema central vai ser as mudanças na economia, a tecla mais batida por todos os movimentos. ¿Temos que intensificar as mobilizações para implementar as mudanças que queremos ver. Queremos uma meta de crescimento e uma meta de emprego, além da meta de inflação¿, diz o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Artur Henrique Santos.

Mudanças na economia, investimento em educação, reforma agrária mais ampla, redução na jornada de trabalho, geração de emprego, todas essas são faturas que os movimentos vão cobrar pelo apoio incondicional no primeiro mandato, e esperam serem atendidos. Especialmente depois de terem ouvido do próprio presidente Lula que ele ¿não deve o mandato a ninguém¿.

Há três semanas, quando se encontrou pela primeira vez depois de reeleito com representantes de todas as áreas, Lula disse que agora poderia agir com mais facilidade para atender as reivindicações, porque não devia seu segundo mandato a ninguém. A frase foi interpretada pelos presentes como uma confirmação de que seria mais fácil verem as mudanças que gostariam.

Recentemente, em um café da manhã com jornalistas, o presidente disse que não se considerava em débito com os movimentos sociais, mas que quer valorizá-los. ¿Movimento não basta tratar bem, precisa valorizar. Eu vim do meio deles. Recebo tanto empresário, porque não receber os trabalhadores¿, disse, enfatizando ainda que tinha estabelecido ¿outra relação com a sociedade¿ e pretendia melhorá-la ainda mais.

FRASES

Gustavo Petta Presidente da UNE

¿Do meio para o fim, houve um período de instabilidade e havia o temor de que a pressão terminasse por cair no jogo da oposição. Havia até um certo temor de que se permitisse a volta da direita. Agora não tem mais nada disso. O governo está forte e com mais condições de fazer as mudanças para a qual foi eleito. Não tem mais porque termos paciência¿

José Batista de Oliveira Movimento dos Sem-Terra

¿Não houve mudanças estruturais, não alimentamos ilusões. As mudanças foram pontuais. Não avançou na reforma agrária, não avançou na distribuição de renda ¿