Título: O que se espera das agências reguladoras
Autor: Manteli, Wilen
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/01/2007, Economia, p. B2

Instrumento criado no governo Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de promover e disciplinar serviços públicos operados por concessionárias privadas, as agências reguladoras precisam ter seu estatuto rediscutido para não se tornar um empecilho ao desenvolvimento do País. Concebidas para minimizar a intervenção estatal na atividade econômica, concentrando-a nos aspectos indispensáveis para o bom funcionamento dos serviços privatizados, algumas dessas entidades simplesmente repetiram o tradicional vício da máquina pública de impor ao setor regulado uma densa e inútil burocracia. Em vez de impor, as agências devem buscar o consenso em cada setor sob sua esfera de atuação.

A experiência da regulação sob responsabilidade de órgãos desvinculados do Poder Executivo, no caso do sistema portuário, tem apresentado mais inconvenientes do que vantagens. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que durante os últimos anos vinha agindo como poder autônomo tanto do Executivo quanto do Legislativo, quebrou contratos, produziu atos normativos contrários ao marco regulatório em vigor - a Lei nº 8.630 -, o que resultou num clima de insegurança jurídica e institucional prejudicial para o setor portuário, na medida em que inibiu investimentos urgentes e indispensáveis para a estabilidade da cadeia logística do comércio exterior. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), por sua vez, usou indevidamente seu poder de pressão sobre as atividades de desembaraço de cargas nos portos - a fiscalização sanitária, indispensável, é sua atribuição exclusiva - e se lançou numa greve de mais de dois meses, provocando sofrimentos para os que dependiam de remédios e deixando um rastro de enormes prejuízos não só para os portos, mas também para setores socialmente sensíveis, como a indústria farmacêutica.

Análises recentes têm atribuído os desacertos no funcionamento das agências unicamente a manobras do Poder Executivo para controlá-las. De fato, interferências político-partidárias são sempre nefastas em atividades que, por sua natureza, devem ser conduzidas ou por critérios técnicos ou pelo princípio da negociação e do equilíbrio de poderes. O setor portuário convive com esse problema desde muito antes da criação das agências, pois o velho e inadequado modelo de gestão das Companhias Docas e das autarquias estaduais administradoras de portos é absolutamente permeável a interesses políticos e eleitorais, com conseqüências sempre negativas para a atividade. Cabe questionar, entretanto, se uma ampliação da autonomia das agências viria efetivamente atender ao interesse público. Espera-se que sim. A pretexto de evitar a ¿politização¿ das agências e dar-lhes autonomia, o Projeto de Lei Substitutivo, apresentado pela Associação Brasileira de Agências de Regulação (Abar), propõe dispositivos problemáticos, como a instituição de taxas que garantiriam a autonomia financeira desses órgãos e uma definição excessivamente aberta do que é a atividade regulatória.

Todo direito deve ser limitado por um dever, assim como toda autonomia deve ter como contrapartida uma responsabilidade. Se a autonomia financeira viesse ao menos acompanhada da proibição do direito de greve nas agências, a Abar estaria sinalizando positivamente para os setores regulados uma pretensão de equilíbrio entre ônus e bônus. Mas ainda assim restaria o problema da garantia dessa autonomia, já que a arrecadação de taxas é atribuição exclusiva do Poder Executivo (Ministério da Fazenda) e não há lei que o impeça de contingenciar recursos. Veja-se o exemplo da Contribuição de Intervenção do Domínio Econômico (Cide), uma taxa que está na Constituição e que por lei deveria estar abastecendo, sem contingenciamento, os Fundos Setoriais. Hoje não passa de mais um imposto contabilizado no superávit primário.

Definir claramente o que é a atividade regulatória - e sobre que setores ela deve ser exercida - é um passo fundamental que não pode ser esquecido. Do contrário, a regulação passará a ser utilizada para derrubar na prática leis e políticas públicas, minando instrumentos do Poder Legislativo e do Poder Executivo; e para impor à sociedade a presença de uma nova instância do poder público nas esferas federal, estadual e municipal, às expensas dos cidadãos e das empresas, já onerados por uma carga tributária que é das maiores do mundo entre os países em desenvolvimento.

Cumpre aos legisladores neste momento não perder o foco: a missão principal de uma agência reguladora é garantir que as empresas ajam de forma responsável, propiciar condições seguras e de longo prazo para estimular investimentos e assegurar que as concessionárias prestem serviços de qualidade a preços módicos. Uma agência não tem competência para legislar, que é uma prerrogativa política, mas apenas para regular tecnicamente fatos concretos e de forma subordinada à lei. Ela não exerce função política, e sim administrativa, produzindo normas infra-legais, atuando a favor do mercado, estimulando e promovendo a livre competição, que constitui - isto sim - o melhor instrumento de regulação e defesa do interesse público.

Deve ficar bem claro que a vocação das agências reguladoras, sobretudo se elas querem se diferenciar do Poder Executivo, é pautar suas ações não na rigidez autoritária nem na burocratização, mas na simplicidade dos seus atos, na transparência e na flexibilidade democrática, respeitando a lei, os contratos e propiciando condições para o desempenho eficiente das empresas concessionárias.