Título: Administração pública de qualidade
Autor: Costin, Claudia
Fonte: O Estado de São Paulo, 30/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

Uma das críticas recorrentes ao Estado brasileiro reside em sua completa incapacidade de diminuir, de forma expressiva e sustentável, desigualdades sociais. Isso não acontece por falta de recursos: o Brasil consome cerca de 22% do PIB com os chamados gastos sociais, o que é comparável a países desenvolvidos, alguns com sólidos modelos de Estado do Bem-Estar Social (Welfare State). A diferença é que, aqui, os gastos não geram serviços da mesma qualidade.

Não se pode pensar nessa questão dissociada das dificuldades de gestão de políticas públicas. A crise do Estado brasileiro, que vem desde os anos 80, traz à tona questionamentos sobre a capacidade que a administração pública e os governantes têm de implantar políticas públicas competentes. Assim, o problema não está apenas nos recursos financeiros, mas sobretudo no gerenciamento da máquina e dos recursos humanos. Se tentarmos entender as raízes da crise, chegaremos à conclusão de que é possível melhorar a qualidade do gasto social no Brasil.

Para tanto é importante que o Estado fortaleça a formulação e gestão de políticas públicas. Definir, com precisão, o que deve ser feito e descentralizar a implementação para Estados e municípios, sem perder, porém, a coordenação, para que possamos ter políticas nacionais. O uso de instrumentos, como contratos de gestão com Organizações Sociais (OS), que dêem clareza e transparência à relação com o Estado se tem mostrado mais adequado que os convênios, por serem mais simples, desburocratizados, transparentes e, sobretudo, por vincularem o serviço parceirizado com a política pública para o setor.

Para isso ser possível a administração pública precisa se qualificar. Sem um corpo de funcionários preparados para a gestão, o Estado corre o risco de ser pontual na atuação para enfrentar os problemas do País, e enxergar em Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips), OS ou em outros modelos de parceria público-privada mais do que elas podem oferecer. As organizações do terceiro setor podem ser parceiras na implementação das políticas públicas, mas não responsáveis por sua formulação ou coordenação.

A motivação para se usar OS em atividades como museus, teatros, hospitais ou centros de pesquisa não deve ser, simplesmente, de redução de custos. O setor público precisa ter condições de atrair e fixar bons quadros e utilizar as entidades parceiras apenas em situações em que há serviços não exclusivos de Estado que requerem maior flexibilidade e agilidade.

Isso significa ter uma política salarial para o Estado compatível com o mercado, concursos públicos anuais, investimento em capacitação e, na relação com a sociedade, parcerias na forma de OS, Oscips ou até com empresas - para garantir que o País receba os investimentos em educação, infra-estrutura, saúde, ciência e tecnologia e cultura de que necessita.

Não há desenvolvimento social sem a atuação do Estado, mas também não há razão para ele atuar sozinho. Se houver no setor público a capacitação institucional para formular e coordenar políticas públicas, a implementação pode ocorrer com a participação de entidades não-estatais, com expressivos ganhos de qualidade e sem enfraquecer o papel do Estado.

Em áreas em que a sociedade civil acumulou experiências que possam ser aproveitadas pelo setor público há um amplo terreno para parcerias. Estas podem ocorrer com as OS ou com empresas privadas, mediante Parcerias Público-Privadas (PPPs), nos termos de Lei Federal nº 11.079, que busca proporcionar a capacidade de investimento e gestão da iniciativa privada para empreendimentos públicos.

Mas num país como o nosso, com histórico de corrupção e clientelismo, toda forma de parceria levanta suspeitas de mau uso de recursos públicos. Argumenta-se que, ao construir estas parcerias, o poder público busca, na verdade, fugir de amarras voltadas para controlar a corrupção. Outra argumentação negativa diz respeito à possibilidade de as ações geridas por parceiros ficarem isoladas da política pública definida para o setor.

Ambos os problemas podem ser resolvidos por mecanismos previstos em lei e que demandam gestão do Estado. A corrupção tem sido um problema grave, com todo o aparato normativo estabelecido para coibi-la. Na verdade, por vezes o processo administrativo se torna tão complexo e moroso, dadas estas mesmas normas amarradas, que é praticamente impossível acompanhar a dinâmica dos gastos públicos, reduzindo a probabilidade de transparência e abrindo possibilidade de que alguém venda um caminho mais rápido.

Nas parcerias, especialmente com as OS, os controles são menos ritualísticos, menos associados ao cotidiano da gestão e mais centrados no resultado concreto da ação pública. O contrato de gestão estabelece a vinculação do que está previsto na parceria estabelecida com a política setorial, como na de cultura ou de saúde, no exemplo paulista, na forma de resultados esperados e diretrizes a serem seguidas. Há um monitoramento pelo ministério ou secretaria, por uma comissão especificamente criada para tanto e pelo Tribunal de Contas do Estado ou da União, que fiscalizam resultados a intervalos de tempo regulares. Com isso diminuem a burocracia e os gastos a ela relacionados e se abre a possibilidade aos cidadãos do exercício do controle social.

O chamado choque de gestão da administração pública, hoje jargão corrente, passa pela percepção de que operar a máquina pública por meio de normas que prescrevem cada passo a ser seguido, eliminando quase completamente a capacidade de tomada de decisão dos gestores, não é mais compatível com um Estado de que se espera a prestação ágil e oportuna de serviços de qualidade.