Título: 'É hora de trocar pauta da violência pela produção'
Autor: Arruda, Roldão
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/01/2007, Nacional, p. A10
No balanço da reforma agrária do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a ser divulgado nos próximos dias, o Ministério do Desenvolvimento Agrário deve anunciar o cumprimento da meta de assentar 400 mil famílias em quatro anos. ¿Se não cumprirmos integralmente, vamos chegar muito perto desse número¿, diz o ministro Guilherme Cassel. Na sua opinião, esse resultado permitirá a redefinição das prioridades no segundo mandato, com menos ênfase no número de assentamentos e mais atenção à qualidade dos que já existem.
¿É hora estabelecer uma nova relação da reforma agrária com a sociedade, substituindo a pauta do conflito e da violência por uma agenda da produção¿, afirma o ministro. Nesta entrevista ao Estado, ele adianta números do balanço e rebate as críticas de representantes de movimentos sociais, de que a reforma agrária andaria melhor se o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fosse desvinculado do ministério. Segundo Cassel, essa discussão é marcada por sectarismos e costuma ignorar os fatos.
O 2º Plano Nacional de Reforma Agrária, definido em 2003, previa o assentamento de 400 mil famílias até o fim do primeiro governo Lula. Essa meta vai ser cumprida?
Os números de 2006 ainda estão sendo conferidos, mas eu posso adiantar que, se não batermos na meta dos 400 mil, vamos chegar muito próximo dela, o que é uma vitória. Nunca se assentou tanta gente em tão pouco tempo. De quase 1 milhão de famílias assentadas em 40 anos de existência do Incra, 40% receberam seu lote neste governo. No conjunto, quase 30 milhões de hectares de terra foram destinados à reforma agrária.
Os movimentos sociais têm uma visão diferente da sua. Eles acham que o ministério tem pouco poder político na questão da reforma agrária e que o melhor seria desvincular o Incra, dando status de ministério à autarquia.
Essa opinião expressa a visão de quem vê o mundo rural dividido apenas entre latifundiários e sem-terra. É muito mais do que isso. Temos 4,2 milhões de agricultores familiares que precisam de políticas públicas específicas para crédito, seguro, comercialização. E eles estão tendo isso com o Desenvolvimento Agrário. Quanto à falta de poder, é bom informar que o orçamento do ministério passou de R$ 1,8 bilhão em 2003 para R$ 4,5 bilhões em 2006. Nenhuma outra pasta teve uma ampliação tão significativa do orçamento no período.
Ainda segundo os movimentos, Lula não correspondeu às expectativas na reforma agrária.
Essas análises são apartadas da realidade, cheias de retórica e desprovidas de fatos. Em 2003 o Incra gastou R$ 427 milhões na obtenção de terras para a reforma. Em 2006 o gasto chegou a R$ 1,5 bilhão - três vezes mais. Também foram aumentados os orçamentos para a assistência técnica e a infra-estrutura dos assentamentos, que estão sendo recuperados. Acho razoável que os movimentos tenham expectativas e concordo que poderíamos ter feito mais. Mas não se pode dizer que fizemos pouco.
Se o balanço confirmar a execução da meta de assentamentos, quais deveriam ser, na sua opinião, os objetivos do governo dos próximos quatro anos?
O desafio contemporâneo é a qualificação dos assentamentos. A tendência é migrar da tensão em torno de metas quantitativas para a questão da melhoria da produção. É razoável que a sociedade espere e cobre dos assentados uma boa produção de alimentos.
Muitos assentamentos ainda vivem à margem de processos produtivos razoáveis.
Já invertemos aquela situação generalizada de locais improdutivos e favelas rurais: quase 80% dos assentamentos hoje têm assistência técnica. No Paraná, Santa Catarina, Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul ela chega a 100%. Isso faz toda diferença para quem planta. Posso garantir que hoje as condições são melhores para os assentados do que eram quatro anos atrás. Mas ainda temos um passivo muito preocupante. É hora de estabelecer uma nova relação da reforma agrária com a sociedade, substituindo a pauta do conflito e da violência por uma agenda da produção, pela geração de emprego e renda. É isso que a reforma faz: gera renda, emprego, produção.
Mas ainda existem assentamentos em situação precária.
Essa não é mais a regra geral. Os novos têm boas condições, crédito e assistência técnica. Sabemos que os agricultores familiares e os assentados são responsáveis por quase 11% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) e é do interesse do País que essas comunidades se desenvolvam, como está acontecendo. O censo agropecuário que será realizado neste ano deve mostrar que o êxodo rural no Brasil foi estancado, o que é muito positivo.
Diante das ações dos movimentos ligados aos sem-terra, os governos tendem a apagar incêndios, criando assentamentos para evitar conflitos, mas com pouco planejamento. Isso pode mudar?
De fato, a demanda tem substituído o planejamento. Mas isso pode mudar. Com os 400 mil assentamentos realizados neste governo, é possível vislumbrar a possibilidade de planejamento na ocupação do território. O Estado e os movimentos poderão planejar onde assentar e o que produzir, deixando de responder sempre à demanda e ao conflito.