Título: Lula assume com cenário tranqüilo na economia
Autor: Moraes, Marcelo de
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2006, Nacional, p. A7

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai começar seu novo mandato num cenário mais favorável do que o encontrado por seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, quando iniciou sua segunda gestão. Em 1999, com o País pressionado por uma enorme crise econômica internacional, o recém-reeleito se viu obrigado a desvalorizar o câmbio logo no início. Precisou trocar dois presidentes do Banco Central e controlar fuga de reservas financeiras em torno de US$ 40 bilhões. Assim, perdeu energia e teve problemas políticos em toda a gestão.

Com cenário externo atual mais tranqüilo, Lula não deverá enfrentar dissabores desse tipo. Seu maior fantasma é a falta de crescimento da economia, que apresentou números medíocres nos últimos quatro anos. Há quase dois meses, o presidente cobra apresentação de propostas que garantam a aceleração da economia nacional. Um pacote de medidas tinha sido prometido pelo governo para antes do fim do primeiro mandato, mas foi adiado.

Para fugir da síndrome do segundo mandato, Lula precisará usar sua habilidade política. Logo após votar no segundo turno da eleição, o próprio FHC reconheceu, em entrevista, as dificuldades que teve e previu problemas para Lula: 'No segundo mandato você já não tem mais perspectivas de poder. E na política quem não oferece perspectivas de continuidade de poder tem mais dificuldades.'

Para tentar reverter o problema da falta de crescimento, Lula tem reunido os principais integrantes da equipe econômica. O governo estuda medidas que garantam a desoneração fiscal, como a redução das tarifas de importação de insumos e bens de capital. Mas, além de nada ter ainda consenso, nas conversas com auxiliares tem se queixado de que a maioria das propostas não tem ousadia.

Dentro das alternativas estudadas para promover o crescimento, algumas agradaram Lula. Uma delas tem origem justamente num governo de oposição. O Planalto decidiu analisar mudanças na Previdência sugeridas por Vicente Falconi, do Instituto de Desenvolvimento Gerencial (INDG), um dos responsáveis pelas medidas do choque de gestão do governador de Minas, o tucano Aécio Neves. Pela proposta, seria possível reduzir despesas do setor em até R$ 50 bilhões, em três a quatro anos. Em Minas, o principal efeito foi reduzir a zero o déficit de R$ 2,4 bilhões. Para Lula e o PT, mais interessante ainda foi o efeito eleitoral positivo conquistado por Aécio, reeleito governador já no primeiro turno.

Aliados acrescentam que, além de garantir crescimento, o governo precisa produzir ações de impacto. O caos no setor aéreo dos últimos três meses, por exemplo, é visto como problema de difícil solução e de imenso potencial de desgaste.

A maior dificuldade hoje é afinar a base aliada e garantir a consolidação do governo de coalizão, o que permitiria a aprovação de propostas de interesse da Presidência. Só que a disputa entre setores aliados pelo comando da Câmara já vem azedando as relações. No primeiro mandato, vários deputados votaram a favor do governo impulsionados pelo mensalão. Agora, na segunda gestão, Lula planeja uma base em torno de ideais comuns e de uma agenda positiva. O problema é que nem os aliados sabem claramente qual é a agenda. O presidente tem defendido a aprovação das reformas política e tributária. As propostas em torno disso, porém, não têm consenso e são de difícil aceitação. Há quem defenda que sejam atacados temas como segurança e educação.

Preocupado com essa indefinição, um ministro lembra que a força eleitoral das urnas tem prazo de durabilidade. Na sua avaliação, o poder das urnas costuma ser o maior combustível para aprovar propostas de difícil aceitação no Congresso.

Para se fortalecer no Congresso, o alvo de Lula é o PMDB, dono da maior bancada na Câmara (89 eleitos) e que deve ser hegemônico no Senado (20 integrantes). Se esse partido fechar a seu favor, o presidente avalia que poderá aprovar medidas que garantam o crescimento do País e avanços na área social. 'Lula não pode cometer os mesmos erros de Fernando Henrique no segundo mandato. Naquela ocasião, ele ignorou a base dentro do Congresso, não formulou agenda clara e acabou tendo segundo mandato insignificante', diz o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), que era da base de FHC e hoje está na de Lula.