Título: Disputa entre ministérios foi marca dos primeiros 4 anos
Autor: Leal, Luciana Nunes e Formenti, Lígia
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2006, Nacional, p. A8
No último dia útil do ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva agiu como juiz e resolveu com uma medida provisória a disputa entre os Ministérios da Cultura e do Esporte pelo acesso ao investimento de empresas. A Lei do Esporte aprovada no Congresso incluía projetos esportivos na regra que permite a empresas deduzir até 4% do Imposto de Renda para investir em cultura. O ministro da Cultura, Gilberto Gil, reagiu e o impasse foi criado. Na sexta-feira, Lula editou a MP criando uma dedução específica para os investimentos em esporte.
A briga entre Esporte e Cultura foi a última de uma série de conflitos entre ministérios ocorridos no primeiro mandato de Lula. O fenômeno não é específico da gestão petista.
No governo Fernando Henrique Cardoso, as críticas à política econômica do então ministro da Fazenda, Pedro Malan, chegaram ao extremo e levaram à demissão do titular do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho - um colaborador antigo do presidente tucano.
As divergências com a Fazenda, por causa da retenção de recursos federais, unem vários ministérios. Ao longo do primeiro mandato de Lula, houve queda-de-braço com a Casa Civil, com os Ministérios da Agricultura, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, do Desenvolvimento Agrário, das Cidades e da Educação, entre outros. No ano passado, a chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, foi apoiada por vários colegas ao classificar de 'rudimentar' o plano de ajuste fiscal de longo prazo da equipe econômica.
Com a Educação, a briga aconteceu porque a Fazenda não aceitava que fossem fixados valores no projeto que criou o fundo de valorização do ensino básico, Fundeb. Ganhou a Educação. Em 2007, os repasses do Fundeb somarão R$ 2 bilhões. Ao final de 14 anos, serão R$ 55 bilhões, em valores de hoje.
Depois da Fazenda, foi o Ministério do Meio Ambiente o que mais enfrentou divergências com outras pastas. Ciência e Tecnologia, Agricultura, Desenvolvimento e Minas e Energia foram alguns dos ministérios que se opuseram ao Meio Ambiente, por motivos diversos, como Lei de Biossegurança e as licenças ambientais para construção de usinas hidrelétricas.
Sem definição clara do governo, o Meio Ambiente usou a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) como posto avançado para barrar a liberação comercial de transgênicos. Tendo a seu favor o regulamento da comissão - que exigia quórum de dois terços para liberação de produtos -, ambientalistas fizeram o possível para adiar julgamentos. A estratégia deu resultado. Mas no fim do ano veio a reação. Deputados afinados com a ala ruralista pegaram carona na regulamentação de uma medida provisória, reduziram o quórum de dois terços para maioria absoluta e, de quebra, 'legalizaram' algodão transgênico plantado irregularmente no País - seguindo, assim, a tática do fato consumado, como ocorreu com a soja transgênica plantada de forma irregular.
'VAGABUNDO'
Em 2004, Lula teve que interferir pessoalmente para resolver o mal-estar entre os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e Guido Mantega, na época titular do Planejamento. Rodrigues desmentiu que tivesse chamado Mantega de 'vagabundo', como chegou a ser noticiado, mas não escondeu desagrado com o colega. O motivo da briga foi a resistência do Planejamento em aprovar a reestruturação da carreira dos fiscais federais agropecuários, que estavam em greve. Assessores da Agricultura disseram na época que Rodrigues sequer conseguia marcar audiências com Mantega. Depois de duas semanas, os grevistas aceitaram uma proposta elaborada pelo Planejamento.
No início do governo, Mantega recebeu muitas críticas dos colegas, em especial do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Luiz Dulci, por ter tomado conta praticamente sozinho da elaboração do Plano Plurianual (PPA). As queixas ficaram restritas às reuniões internas.
Um dos primeiros impasses entre ministérios aconteceu quando a pasta da Justiça preparou uma minuta que dava às associações de moradores de favelas a prerrogativa de conceder títulos de posse. Não era o que previa o programa do Ministério das Cidades e a Justiça recuou. Em outro momento, foi o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, que protestou quando foi entregue ao então ministro da Casa Civil, José Dirceu, o comando da Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico. Na ocasião, saiu vitoriosa a Casa Civil.