Título: Vestido de Marisa vira segredo de Estado
Autor: Scinocca, Ana Paula
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/12/2006, Nacional, p. A9

As 30 artesãs da Associação das Rendeiras de Morros da Mariana, na comunidade de Ilha Grande, a 350 quilômetros de Teresina, estão avisadíssimas: não é para falar do assunto. ¿Pediram para a gente não contar nada até o dia 2 de janeiro. É sigilo¿, explica a bordadeira Maria do Socorro Galeano. No ateliê do estilista Walter Rodrigues, em São Paulo, também impera a lei do silêncio. Detalhes sobre o vestido que a primeira-dama Marisa Letícia vai usar na posse são um segredo de Estado. ¿Só posso dizer que o vestido é... curto e o tecido é fluído¿, diz o estilista. Qual é a cor? ¿Não posso adiantar.¿ Quem pagou? ¿Foi ela, com cheque pessoal e nota fiscal emitida no nome dela, tudo direitinho.¿ E quanto foi? ¿Ah, aí não posso dizer.¿

Na última terça-feira, Marisa esteve no ateliê de Walter Rodrigues para checar os detalhes do vestido secreto. Provou a peça, conversou com costureiras, juntou-se ao estilista em elogios ao ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan.¿Falamos muito bem dele. Tenho projetos com o Sebrae e conheço o seu trabalho¿, conta Rodrigues. O modelo foi feito em 20 dias por 30 artesãs que se revezaram para deixar cada ponto no lugar, prazo curto porque o Planalto demorou a definir detalhes do grande dia - horários da posse e recepções, essas coisas.

Na cerimônia de diplomação do presidente no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no dia 14, Marisa viu o marido chorar e ouviu seus agradecimentos também dentro de um Walter Rodrigues, um modelo azul, em crepe e com apliques no busto e mangas feitos por artesãs da ONG brasiliense Apoena. ¿Porque a Marisa é assim: gosta de valorizar a identidade brasileira. Preparei um dossiê de cada cooperativa que trabalha com meu ateliê e entreguei a ela.¿

Responsável pelo vestido vermelho com pontas que Marisa usou na posse de Lula em seu primeiro mandato, Walter Rodrigues acredita no caráter exemplar embutido em um modelo usado por uma primeira-dama, especialmente na posse. ¿Ela é a representante das mulheres brasileiras.¿ Quando, na primeira posse, Lula fez uma pausa em seu discurso para elogiar a elegância da mulher, o estilista subiu uma rampa imaginária. ¿Fiquei muito emocionado na hora. E fiquei mais ainda quando o nosso motorista abriu um jornal no dia seguinte e disse: é o nosso vestido mais visto no mundo!¿Na cerimônia que acontece à noite para chefes de Estado, a primeira-dama troca de roupa e veste um modelo da estilista Gloria Coelho - mais um segredo, um segredíssimo.

Pode-se dizer que a liturgia em torno do vestido das primeiras-damas nas posses é uma tradição republicana. Como definiu o escritor François Baudot no livro Moda do Século (editora Cosac & Naify), moda, para elas, pode ser política de prestígio. Nos anos Camelot, como os americanos chamam o governo de John Kennedy - referência ao glamour lendário da corte do Rei Arthur - a primeira-dama Jacqueline Kennedy fundou seu império paralelo no campo dos costumes por conta de um guarda-roupa. Na Inglaterra, Lady Di se vingou da família real por meio de seus vestidos.

No Brasil a coisa é mais tropicalizada - mas também há alguma tradição. O longo bordado com cauda de 70 cm que Sarah Kubitschek usou na posse do marido é uma das atrações mais populares do Memorial JK, em Brasília. Vestida por Denner, Maria Teresa Goulart entrou para o rol das mais bem-vestidas. Em entrevistas, a viúva de Jango contou que aprendeu também com o estilista uma regra de ouro na liturgia de uma primeira-dama - seguida com fervor por Marisa Letícia: ¿Não fale muito, apenas sorria¿. É por isso que mulheres de presidente dão seus recados pelos vestidos que usam.