Título: A política do cofre aberto
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2007, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva inicia o segundo mandato com tudo preparado para uma gastança maior que a dos últimos quatro anos. Essa é a única aposta segura: as despesas crescerão em 2007 e provavelmente nos anos seguintes, mas sem a mínima garantia de um desempenho econômico melhor. Em 2007, os gastos correntes da União deverão equivaler a 18,98% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo projeção da economista Márcia Rodrigues Moura, consultora do Congresso Nacional. A proporção em 2006 está estimada em 18,54%. No começo do governo petista, em 2003, aquelas despesas corresponderam a 16,43% da produção interna de bens e serviços.

Os gastos serão inflados em 2007, como nos anos anteriores, principalmente pelo aumento da folha de pessoal e dos benefícios previdenciários. Estes passaram de 6,93% do Produto Interno Bruto em 2003 para 7,88% em 2006 e deverão chegar a 8,05% em 2007. Aqueles cresceram de 4,93% do PIB no primeiro ano de governo para 5,07% em 2006 e deverão alcançar 5,28% no exercício seguinte.

O aumento do salário mínimo para R$ 380, proposto pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, está incluído nessas projeções. A decisão presidencial, se for sacramentada pelo Congresso, apenas agravará a tendência observada há vários anos. A rápida valorização real do mínimo tem aumentado o desajuste das contas previdenciárias. Quanto mais o governo retarde a discussão de uma nova reforma da Previdência, mais difícil e mais penosa será a arrumação das contas públicas.

Só a contenção dos gastos previdenciários e de outras despesas correntes abrirá espaço bastante para a ampliação dos investimentos na infra-estrutura e na educação. Sem essa condição, também não será possível diminuir, de forma significativa, o peso dos impostos.

Com o salário mínimo elevado a R$ 380, já se fala, no Ministério da Fazenda, em redução das bondades fiscais prometidas em novembro e ainda não anunciadas oficialmente.

A apresentação do pacote, agora, está prevista para o fim de janeiro e seu conteúdo será provavelmente empobrecido. O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, nega a redução do pacote, mas a informação da área financeira do governo é outra.

Mas o mais importante não é saber qual das duas previsões será confirmada. O problema objetivo é outro. Nenhuma das soluções previsíveis neste momento será boa para a economia brasileira. O governo deveria ter preparado espaço, no Orçamento, para a concessão dos benefícios fiscais. Não o fez, e a opção pelo salário mínimo de R$ 380 complicou o quadro.

Se o pacote de incentivos for diminuído, para acomodar os efeitos do novo mínimo, mais uma vez o inchaço do Orçamento será devido quase exclusivamente ao custeio. Se o pacote for mantido, o desajuste fiscal será maior e sua correção será mais difícil nos anos seguintes.

Para estimular o investimento privado e impulsionar o crescimento da economia, o governo terá de promover uma redução de impostos muito mais ambiciosa e mais organizada que o pacote prometido para 2007. Desoneração tributária, no entanto, só é sustentável com a contenção do gasto público. E investimento público, outro fator importante para o crescimento, só é exeqüível, sem desarranjo fiscal, quando se restringe a despesa corrente.

Reconhecer esses fatos não é uma questão de ortodoxia e sim de realismo. Mas esta virtude está em baixa no painel de cotações do governo federal. Ao concentrar no Palácio do Planalto decisões cruciais de política econômica, o presidente enfraqueceu perigosamente o Ministério da Fazenda, para buscar apoio nos velhos aliados do sindicalismo e das alas partidárias menos preparadas para a gestão pública.

Com a saída do secretário do Tesouro, Carlos Kawall, o governo perde um dos últimos colaboradores empenhados em manter alguma racionalidade nas finanças públicas. Disciplinado, Kawall silenciou diante das muitas bondades eleitorais de 2006, mas continuou defendendo uma respeitável pauta de ajustes para os próximos quatro anos. O presidente parece pouco interessado em manter essa pauta. Se confirmar essa tendência, cometerá no segundo mandato os erros evitados no primeiro graças à influência de Antonio Palocci.