Título: O contraste China-Brasil
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2007, Notas e Informações, p. A3
A produção chinesa crescerá entre 8,5% e 10,5% em 2007, segundo previsão anunciada pelo Centro de Informação Estatal, em Pequim. O país continuará ganhando espaços na economia global, com um superávit comercial estimado em US$ 180 bilhões em 2007. Em 2006, até novembro, o resultado chegou a US$ 156,6 bilhões. Os governos ocidentais continuarão pressionando as autoridades chinesas para permitirem a valorização do yuan. Se forem esperar pelo resultado dessas pressões, precisarão de uma paciência oriental.
Pelas projeções do banco central chinês, a moeda poderá valorizar-se de 3% a 4% nos próximos 12 meses. É esta, por enquanto, sua resposta à cobrança apresentada em Pequim, há poucas semanas, por uma missão do governo americano liderada pelo secretário do Tesouro, Henry Paulson, e integrada pelo presidente do Federal Reserve, Ben Bernanke, e vários secretários.
O banco central chinês deixou a moeda flutuar, num espaço limitado, a partir de julho de 2005, depois de muita choradeira e muito esperneio das autoridades americanas, européias e japonesas. O resultado foi pífio. Até agora, a valorização acumulada ficou perto de 6%. Isso em nada afetou o poder de competição dos produtores chineses.
Seus produtos baratos continuaram inundando os mercados de todo o mundo - incluído o brasileiro - e nada permite prever, por enquanto, uma alteração do cenário. No almoço de fim de ano, em dezembro, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo distribuiu a jornalistas, como brinde, um pen drive chinês. Foi o complemento dos numerosos discursos de seus diretores contra a crescente concorrência dos produtos chineses, tanto legais quanto contrabandeados.
Nesta altura, até as autoridades chinesas têm dificuldade para conter a expansão das exportações do país. Segundo informações divulgadas pela associação das montadoras da China, o país fabricou 7 milhões de veículos em 2006 e tornou-se o terceiro maior produtor, superando a Alemanha e perdendo para os Estados Unidos e o Japão.
Hoje, a produção é destinada principalmente ao mercado interno, em rápida expansão, mas é fácil prever para os próximos anos uma crescente presença noutros países. Será preciso elevar a qualidade. A vantagem de custo já é apreciável.
Os carros chineses são em média 30% mais baratos que os brasileiros. As montadoras baseadas na China poderão competir com as brasileiras em todo o mundo, quando puderem oferecer qualidade pelo menos comparável. Não será novidade. Outros segmentos da indústria brasileira vêm tendo dificuldades, em vários mercados, para enfrentar os exportadores chineses.
Sem acordos de livre-comércio com parceiros fora da América do Sul, os brasileiros estão desprotegidos diante da concorrência da China e de outros exportadores agressivos. Até na América do Sul a situação é desconfortável, com a crescente presença chinesa.
Treze dos 21 processos de defesa comercial em curso no Ministério do Desenvolvimento, no final de novembro, referiam-se a produtos originários da China.
Outras investigações foram encerradas, barreiras foram impostas e os chineses concordaram, no começo do ano passado, com uma redução voluntária de exportações de têxteis para o Brasil. Mas o governo chinês administra suas concessões de acordo com interesses diplomáticos e comerciais. Não se desvia do rumo, quando isso não lhe interessa, e o lento ajuste cambial iniciado em julho de 2005 é um bom exemplo de como funciona sua política.
Com força bastante para resistir às pressões dos EUA e da Europa, a China caminha para se consolidar como potência econômica de primeira classe. Seu governo executa um projeto nacional desenhado há duas décadas. Suas alianças e concessões são moldadas por esse projeto. Não cabe nos seus planos de longo prazo nada parecido com a concepção petista de aliança estratégica, adotada em Brasília a partir de 2003. O efeito desse contraste é indisfarçável: enquanto a China se afirma como potência global, o Brasil se transforma em ator coadjuvante até na América do Sul.