Título: Serra vê política econômica 'hostil à produção'
Autor: Marchi, Carlos
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/01/2007, Nacional, p. A12

Em claro contraponto ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o governador José Serra (PSDB) defendeu apaixonadamente o crescimento econômico e acusou a ¿fragilidade¿ da política econômica do governo federal, rotulando-a de ¿hostil à produção e aos investimentos¿. Serra disse que a política econômica de Lula é responsável pelos resultados ruins que levaram o Brasil a ser ¿praticamente o último da América Latina e dos (países) emergentes¿ num momento em que ¿o céu da economia internacional é de brigadeiro de seis estrelas¿.

No discurso de transmissão de cargo, no Palácio dos Bandeirantes, interrompido 20 vezes por aplausos, Serra lançou as bases de sua oposição ao governo Lula. Afirmou: ¿O que falta (ao País) são oportunidades lucrativas de investimento, espantadas pela pior combinação de juros e câmbio do mundo, em meio a uma carga tributária sufocante.¿ Usando palavras duras, definiu: ¿Não tenham dúvidas, a fatalidade, no que diz respeito aos povos, quase sempre conta a história de um erro, quando não de uma covardia.¿

O governador paulista respondeu à pergunta que, segundo ele, mais lhe fizeram desde a eleição: como serão suas relações com Lula. ¿Procurarei ter as melhores relações institucionais possíveis¿, disse. Mas atalhou: ¿Como é evidente, à oposição cabe se opor.¿ Logo voltou à crítica: ¿Não me passa pela cabeça, por exemplo, transferir para a oposição o dever de assegurar a governabilidade do Estado que me elegeu¿, numa clara alusão a uma reiterada queixa que Lula faz a oposicionistas.

FRACASSO BEM SUCEDIDO

As críticas à política econômica federal, no entanto, foram diretas: ¿Entre a estagnação e a estabilidade, o País parece ter preferido as duas. É vital para o Brasil, para São Paulo, para todos os Estados, a ruptura desse ciclo de ambições modestas e fracassos bem-sucedidos em relação ao crescimento econômico.¿ Revelou as razões da saraivada de críticas a políticas nacionais: ¿Vou governar São Paulo voltado para o Brasil.¿

Em alusão a outras afirmações de Lula, Serra disse que ¿o poderoso Estado nacional-desenvolvimentista do passado - produtor, regulador de toda atividade econômica, patrono de todos os benefícios sociais - não tem mais lugar no presente.¿ E avançou: ¿Mas isto não significa que deva ser substituído pelo Estado da pasmaceira, avesso à produção, estagnacionista.¿

Em nova insinuação sobre o presidente, ele cobrou que a ação política passe a implantar ¿uma prática transformadora que vá além, muito além dos discursos¿. E receitou: ¿Não basta que se reconheça a necessidade do bem. É preciso praticá-lo. Não basta anunciar futuro glorioso para o povo brasileiro. É preciso construí-lo.¿

Apontou como um equívoco a consagração do princípio de que política é ¿a arte do possível¿, que foi verbalizado pelo ex-presidente Tancredo Neves. ¿A política deve ser a arte de alargar os horizontes e o limite do possível¿, afirmou. Logo voltou a espicaçar Lula: ¿Outro mote fatalista e acomodador, até reacionário, é aquele que considera a desonestidade inerente à vida pública, ao garantir que o poder necessariamente corrompe os homens.¿ Contestou: ¿Não é assim. São alguns homens que corrompem o poder. Outros, pelo contrário, combatem a corrupção no poder.¿

BANALIZAÇÃO DO MAL

Serra pregou que o Estado seja mais controlado pela sociedade e ¿o aparato governamental funcione como um todo coerente, do ponto de vista moral, da eficiência e dos objetivos perseguidos¿. Alvejou mais uma vez o presidente Lula com o arremate: ¿Nada mais distante disso do que a banalização do mal na política brasileira.¿

Mas as críticas ácidas de Serra visaram também ao modelo social do governo Lula. Disse que é a favor da Lei de Responsabilidade Fiscal porque ¿governo com déficit galopante é governo fraco¿. Mas garantiu que vai defender com todas as forças ¿a lei não escrita de responsabilidade social¿. Defendeu que o emprego é o melhor remédio social, numa crítica velada aos programas de distribuição de renda do governo Lula: ¿Um país que não cresce acaba não distribuindo renda, mas equalizando a pobreza. A falta de crescimento pune os mais necessitados, torna-os clientela cativa do assistencialismo.¿

Ao final do discurso, pregou a restauração dos valores na vida pública brasileira e sublinhou a derradeira crítica: ¿Se não agora, quando lutar para tirar o Brasil da areia movediça do subdesenvolvimento, que ameaça levar nosso País da condição de emergente para imergente?¿