Título: De Masi e o Prêmio Tesouro Nacional
Autor: Macedo, Roberto
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2006, Espaço Aberto, p. A2

Hoje, no Ministério da Fazenda, em Brasília, haverá pela 11ª vez a outorga anual desse prêmio, instituído pela Secretaria do Tesouro Nacional para pesquisas em finanças públicas. Novamente integrei a comissão julgadora e me beneficiei da oportunidade de conhecer muitos estudos que de outra forma provavelmente escapariam ao meu conhecimento.

Os estudos concorreram em cinco áreas: Ajuste Fiscal e Dívida Pública, Tópicos Especiais de Finanças Públicas, Tributação, Orçamentos e Sistemas de Informação sobre a Administração Financeira Pública, Lei de Responsabilidade Fiscal e Qualidade do Gasto Público.

Foram inscritas 161 monografias em 2006, estabelecendo um novo recorde de interesse, estimulado pelos valores dos prêmios, que desde o ano passado passaram a R$ 20 mil, R$ 10 mil e R$ 5 mil para os três primeiros colocados em cada área. O estímulo vem também do prestígio conferido pela premiação, muito valorizada entre funcionários do governo, acadêmicos e outros interessados.

Entre os 18 premiados, inclusive três que receberam menções honrosas, predomina a formação de pós-graduação, com destaque para a de mestrado, já concluída ou em andamento, com nove premiados. Na premiação de 1999, a predominância de mestres já chamava a atenção. Agora, nota-se presença também forte de doutores ou doutorandos, com sete premiados, o que revela o avanço da titulação acadêmica inclusive entre funcionários públicos.

Ressaltei os funcionários porque essa titulação é um lado pouco conhecido mesmo de parcela da categoria. Eles voltaram a predominar entre os vencedores, revertendo a episódica virada dos acadêmicos na premiação do ano passado. Em números, os funcionários ganharam por nove a três dos professores entre os autores premiados que declararam uma ou outra ocupação.

Com esta rodada, o Prêmio Tesouro Nacional acumula 1.045 monografias apresentadas e 144 premiadas, o maior acervo nacional de pesquisas sobre finanças públicas. No site www.tesouro.fazenda.gov.br são encontradas as premiadas - exceto as de 2006, ainda não colocadas - e as que receberam menções honrosas, um conjunto que todo ano também é publicado como livro. Os estudos interessam a administradores públicos, a pesquisadores e ao público em geral.

Sem demérito de outros estudos premiados, destacarei alguns que atraem esse interesse mais amplo. O de Emerson Marinho e Maurício Benegas, com o título de Ajuste Fiscal no Brasil: porque adotar o regime de superávit primário ou o de déficit nominal zero, aborda uma questão atualíssima e muito freqüente no noticiário econômico. O de Josué Alfredo Pellegrini, Dez anos da Compensação Prevista na Lei Kandir: conflito insolúvel entre os entes federados, trata de assunto que há uma década permanece no mesmo noticiário, com retrocessos e sem solução à vista. O de Marcelo Pessoa e Paulo Tafner, Aposentadoria por Invalidez dos Servidores Civis do Poder Executivo Federal Brasileiro entre 1994 e 2004, equivale a uma denúncia, pois conclui que a invalidez tem sido a principal forma de aposentadoria desses servidores desde 2002, um resultado atribuído aos incentivos financeiros criados pelas reformas previdenciárias de 1998 e de 2003. Utilizando análise estatística sofisticada, o estudo também conclui que, se houvesse opção por medidas inibidoras dessas aposentadorias, elas seriam mais eficazes se voltadas para funcionários do sexo masculino, de 51 a 60 anos de idade, nível de escolaridade superior, vencimento bruto entre três e seis salários mínimos, 21 a 30 anos de tempo de contribuição e moradores da região Centro-Oeste.

Entre os premiados está também um jornalista de O Estado de S. Paulo, Sérgio Gobetti, na realidade um jornalista-economista, pois tem mestrado nesta segunda condição. No seu estudo, Estimativa dos Investimentos Públicos: um novo modelo de análise da execução orçamentária aplicado às contas nacionais, Gobetti mostra que essas contas superestimam os investimentos públicos na formação de capital fixo. Como esses investimentos são muito baixos e prejudicam o crescimento econômico, a conclusão é de que esse quadro ainda é pior que o mostrado pelas contas nacionais do IBGE.

Em geral, os estudos vêm com sugestões de como corrigir os problemas que apontam, mas, lamentavelmente, a maioria continuará ignorada no plano das decisões governamentais. De qualquer forma, é indispensável que pesquisadores de finanças públicas continuem seus estudos, pois o que fazem serve para realçar a gravidade dos problemas que apontam e a necessidade de corrigi-los.

Depois de anos participando dos trabalhos de premiação, em retrospecto vejo que há, inegavelmente, entre os funcionários e outros pesquisadores uma criatividade muito grande em escolher bons temas, fazer diagnósticos adequados e propor soluções. Estamos falhando é na aplicação destas, o que parece dar razão a uma observação do conhecido sociólogo italiano Domenico De Masi, entre outras contribuições, autor da teoria do ócio criativo, observação essa que conheci por meio do amigo e leitor Adolfo Melito, criador e presidente do Instituto de Economia Criativa.

De Masi disse que o talento brasileiro para a criatividade não alcança a fase de concretização, que na sua visão também deve integrar o processo criativo. Nossa criatividade, segundo ele, gira muito em torno de fantasias não concretizadas.

Criemos e concretizemos, pois, um outro prêmio para retirar, do ócio que não cria nem concretiza, os políticos que se omitem na implementação de propostas como as que emergem dos estudos que anualmente concorrem ao Prêmio Tesouro Nacional.