Título: PT recorrerá para ter acesso a fundo partidário
Autor: Leal, Luciana Nunes
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2006, Nacional, p. A8

Inconformado com a rejeição das contas do comitê financeiro da campanha do presidente Lula, decidida ontem de madrugada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) - por causa de uma doação de R$ 10 mil -, o PT resolveu recorrer ao próprio TSE para evitar ser punido com a suspensão dos recursos do fundo partidário. O advogado do partido Márcio Silva avisou que irá ao Supremo Tribunal Federal (STF) se não conseguir a garantia desse direito no TSE.

'É preciso que o relator José Gerardo Grossi esclareça que o valor recebido não compromete a regularidade das contas do partido', disse. 'Os R$ 10 mil representam 0,001% do que foi arrecadado na campanha. Não se pode surrupiar do PT recursos do fundo partidário a que tem direito.' À 1h30 de ontem, quando a sessão que reprovou as contas foi encerrada, Silva desabafou: 'Isso não vai ficar assim.'

Lula preferiu não comentar. 'Eu não julgo decisão do TSE. Prefiro ficar com a posição do Ministério Público', limitou-se a dizer à noite. Ele se referia ao parecer entregue anteontem ao TSE, que sugeria a aprovação das contas com ressalvas.

Márcio Silva acredita que a rejeição não afetará o mandato de Lula, pois o baixo valor da doação irregular não caracterizaria abuso de poder econômico, mas disse que é preciso garantir que o PT não seja prejudicado. Como a rejeição foi às contas do comitê financeiro, em tese tanto o candidato como seu partido podem ser punidos. De janeiro a novembro, o PT recebeu R$ 22,1 milhões dos R$ 118 milhões do fundo partidário.

O PT é o único que faz duas prestações de contas: a do comitê e a do candidato. O TSE rejeitou por 4 votos a 3 as contas do comitê e aprovou por 5 a 2 as de Lula. Como o comitê é fonte de recursos para o candidato, Lula, em tese, poderia ser punido com perda do mandato se ficasse comprovado que houve abuso do poder econômico ou se beneficiou por doações ilegais.

LEGISLAÇÃO

A doação que levou à reprovação das contas foi feita pela Deicmar, concessionária da União administradora do porto seco de Santos. A Lei Eleitoral proíbe contribuições de concessionárias de serviços públicos.

A campanha petista gastou R$ 104 milhões e recebeu pouco menos de R$ 94 milhões, deixando dívida de R$ 10,3 milhões, que foi repassada ao PT. Ontem, os ministros entenderam, por 5 votos a 2, que empresas sócias de concessionárias públicas podem fazer doações por terem personalidade jurídica independente. A campanha de Lula recebeu R$ 10 milhões das empresas MBR, Companhia Siderúrgica Nacional, Instituto Brasileiro de Siderurgia, Caemi, Tractebel, OAS e Carioca Christiani Nielsen Engenharia, ligadas a concessionárias.

Na votação das contas de Lula, o presidente do TSE, Marco Aurélio Melo, foi contra a aprovação, dizendo que não aceita a transferência das dívidas para o partido. 'É inimaginável que uma campanha faça despesas de R$ 10 milhões a descoberto. As contas não fecharam. Não concebo dívida em stand by.'

A transferência das pendências para os partidos é prática corriqueira nas prestações de contas de eleições. O PSDB assumiu dívida de R$ 19,9 milhões da campanha do candidato derrotado Geraldo Alckmin.

Mais tarde, Marco Aurélio disse que o tribunal terá de resolver em breve se o PT perderá direito ao fundo partidário - a divisão dos recursos é definida em janeiro. 'Há, realmente, a norma. Vamos ver o alcance.'