Título: Brasil se livra de saia-justa na ONU
Autor: Chade, Jamil
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/12/2006, Nacional, p. A9
Depois de três dias de negociações, o Conselho de Direitos Humanos da ONU conseguiu aprovar por consenso uma resolução enviando uma missão de especialistas para avaliar a crise na região de Darfur, no Sudão, onde 200 mil pessoas teriam morrido em conflitos desde 2003. No entanto, por causa da oposição de países africanos e árabes, China, Cuba e Brasil, o documento não critica o governo do Sudão nem fala de responsabilidades pelo massacre.
O acordo evitou que os países tivessem de votar entre uma proposta dos países ocidentais e uma africana, mais favorável ao Sudão. O consenso evitou uma saia-justa para o governo brasileiro.
Brasília evitava apoiar a proposta dos países ocidentais e qualquer condenação ao governo do Sudão, apesar das indicações do envolvimento de Cartum no massacre.
Pela proposta aprovada, cinco especialistas serão enviados à região para investigar a situação e propor medidas. No entanto, só anunciarão o resultado da missão em março. Houve forte reação de ativistas, segundo os quais 40 mil pessoas são obrigadas a deixar suas casas a cada semana por causa do conflito.
Os africanos insistiram até o final para que a missão também contasse com representantes de governos, para tentar politizar o processo. Já os europeus queriam que relatora da ONU produzisse um documento independente. O Brasil, que admitia a necessidade de uma 'certa politização', chegou a sugerir uma solução híbrida, com especialistas da ONU e políticos. Mas a proposta foi descartada.
O que prevaleceu foi a idéia do mexicano Afonso de Alba, presidente do conselho. Os africanos aceitaram o projeto, mas com a garantia de que a missão avaliaria não só as violações aos direitos humanos, mas também as necessidades do Sudão.
CRÍTICAS
O governo brasileiro vem sendo duramente criticado por ONGs e alguns governos por não apoiar a posição ocidental. Seguindo a política de aproximação com os africanos, o Brasil destoava nos últimos dias da posição adotada por todos os países do Mercosul. Diplomatas brasileiros reconheceram que estavam em situação 'difícil'.
Há duas semanas, o País já havia evitado dar seu voto a uma proposta da Europa para pedir que autoridades responsáveis no Sudão fossem investigadas. Não por acaso, nos corredores da ONU, os diplomatas de Cartum chamam o Brasil de 'grande país amigo'.
'O caso não acabou com essa votação e a comunidade internacional continuará a ser testada nos próximos meses, quando o conselho tiver de tomar uma ação em termos de responsabilidades pelos massacres', afirmou Lucia Nader, coordenadora de relações internacionais da Conectas Direitos Humanos e secretária-executiva do Comitê Brasileiro de Direitos Humanos e Política Externa.
Representante da Anistia Internacional na ONU, Peter Splinter aponta que o verdadeiro teste será em março, quando a missão fará recomendações e os governos tomarão posição. A Anistia foi um das entidades que condenaram a resolução aprovada ontem, por não falar em cumplicidade do governo local em relação aos massacres, comprovado pelas Nações Unidas. Já a Human Rights Watch alerta que o documento não fala 'nem de justiça nem de responsabilidades'.
Para o governo brasileiro, a resolução foi 'construtiva'. 'Mostra maturidade e a capacidade do conselho da ONU para responder a crises', afirmou o representante do País na ONU, Sérgio Florêncio. 'Esse é um exemplo de como lidar com crises sérias.' O Itamaraty informou que evita se alinhar com os europeus para não contribuir para uma divisão entre Norte e Sul na ONU e para manter o diálogo com Sudão.
Para o embaixador da Finlândia, Vesa Himanen, que falava em nome da Europa, o processo não acabou. 'A questão da impunidade não foi esquecida', avisou. Para o governo da França, 'os autores dos massacres terão de ser responsabilizados em algum momento'.
Já o governo dos Estados Unidos enfatizou que houve um 'importante primeiro passo', mas Washington ainda não adotou uma posição clara.