Título: Argentina denuncia Brasil e ameaça cúpula do Mercosul
Autor: Marin, Denise Chrispim
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/01/2007, Economia, p. B1

A apenas duas semanas da reunião de cúpula do Mercosul, no Rio, o Brasil foi novamente surpreendido por uma atitude da Argentina com potencial de desgastar a relação bilateral e enfraquecer ainda mais o já debilitado bloco econômico. Principal sócio do Brasil no Mercosul, a Argentina passou por cima dos trâmites esperados e abriu uma queixa na Organização Mundial do Comércio (OMC) contra as medidas antidumping aplicadas desde setembro de 2005 pelo governo brasileiro sobre as importações, de origem argentina, de resinas PET, utilizadas na fabricação de embalagens de refrigerantes e óleos comestíveis.

Buenos Aires não recorreu a consultas informais com autoridades brasileiras e, mais grave, ignorou a possibilidade de resolver a questão no Mercosul, por meio do Tribunal Permanente de Revisão.

O Itamaraty acredita que o imbróglio será resolvido em fevereiro, no período de consultas previsto pela OMC, em encontro no Brasil. Mas o estrago da iniciativa argentina no encontro, nos dias 18 e 19, será inevitável. Diplomatas brasileiros avaliam que, desta vez, a Argentina foi demasiadamente inábil.

A decisão de Buenos Aires de recorrer à OMC deu-se no momento em que o Mercosul tenta adotar um arcabouço institucional mais denso, com a instalação do parlamento, e vem sendo alvejado pelas economias menores e até pela Venezuela, que se tornou sócia do bloco em 2006.

Não foi a primeira vez que a Argentina valeu-se da proximidade de uma reunião do Mercosul para pressionar o Brasil. Em todas as ocasiões, o governo Néstor Kirchner deu mostras de que prefere abrir fogo contra Brasília sem considerar os riscos de debilitação do bloco e das relações bilaterais.

Em julho de 2004, a Argentina pôs em risco a reunião de cúpula em Puerto Iguazu, da qual era a anfitriã. Dias antes do encontro, impusera salvaguardas contra as importações de eletrodomésticos brasileiros. A iniciativa teve o objetivo de forçar o Brasil a aceitar a introdução de um mecanismo de salvaguardas no Mercosul, que seria disparado quando as importações de bens do vizinho aumentassem em razão de desequilíbrios nas taxas de crescimento ou câmbio em ambas as economias.

O governo do Brasil resistiu até o segundo semestre de 2005, quando percebeu que o impasse arruinaria a Cúpula de Ouro Preto, em dezembro. E aceitou a criação do Mecanismo de Adaptação Competitiva (MAC) - como foram batizadas as salvaguardas -, considerado 'intrinsecamente bom'.

ACORDO

O Itamaraty respondeu à iniciativa da Argentina com a decisão de não eliminar as sobretaxas antidumping sobre as resinas PET e de contestar, na OMC, a acusação de que o processo de investigação foi deficiente. Mas poderá suspender a medida se houver um acordo de preços entre argentinos e fabricantes do produto no Brasil.

Essa será a linha de ação do Brasil nas conversas em fevereiro. Fontes do governo dizem que há interesse da empresa argentina Voridian, de capital americano, no acordo de preços. O acerto foi sugerido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e pelo Itamaraty à Argentina, antes da imposição das sobretaxas. Na ocasião, a resposta de Buenos Aires foi negativa. Mas a Voridian e o governo Néstor Kirchner voltaram atrás depois de verem a Resolução 29 da Câmara de Comércio Exterior (Camex), que impôs as sobretaxas, publicada no Diário Oficial. E aí foi a vez de o Brasil dizer não.

Para o governo brasileiro, a disputa na OMC diz respeito à concorrência entre as duas maiores fabricantes de resina PET do mundo - a Voridian, na Argentina, e a Rhodia-Ster, subsidiária da italiana M&G no Brasil. O envolvimento dos governos seria inevitável. Mas o Itamaraty considera que o acordo de preços entre as duas gigantes poderia poupar ambos os governos e o próprio Mercosul de um desgaste maior.