Título: 'Salvar a Varig era o caminho certo'
Autor: Barbosa, Mariana
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/01/2007, Negócios, p. B13

Para o juiz Luiz Roberto Ayoub, responsável pela recuperação judicial da Varig e tido como 'anjo da guarda' da companhia, o colapso do setor aéreo às vésperas do Natal serviu como uma espécie de desagravo. 'Ficou demonstrado que salvar a Varig era o caminho certo', afirmou o juiz, que conversou com o Estado às vésperas do réveillon. Apesar de ter ainda apenas 5% do mercado, a empresa promete uma forte expansão neste início de ano e se transformou em uma alternativa possível para equilibrar o chamado duopólio de TAM e Gol que, juntas, controlam mais de 85% do mercado doméstico. A seguir, a entrevista da Ayoub.

A Varig foi dada quase como morta e agora dá sinais de vida. Qual a avaliação que o senhor faz do processo de recuperação da Varig?

A Varig teve sua morte anunciada e hoje está salva, em fase de crescimento, trazendo de novo os empregos desejados. Ficou demonstrado que salvar esta empresa era o caminho certo. Nós, do Judiciário, sempre acreditamos que a Varig era uma companhia estratégica, que recolhia tributos, gerava empregos e integrava o País aos quatro cantos do mundo. Aplicamos a lei com essa visão estratégica, pensando nos aspectos sociais. Se houvesse a falência, seria o caos, não haveria emprego, nem a menor chance dos credores receber, pois os ativos não eram suficientes.

Se a Varig tivesse uma maior presença de mercado hoje, o apagão do Natal teria sido evitado?

A crise é uma demonstração clara da necessidade de aumento da oferta de serviço com companhias capacitadas para operar nesse mercado. Hoje temos uma restrição de oferta. Mas não adianta aumentar oferta sem estrutura. Agora quem tem autoridade para resolver o problema de infra-estrutura, de controle de espaço aéreo, é o governo.

Há espaço para a Varig crescer?

Não sou um especialista, mas pelo que leio, vejo que o mercado comporta mais de três companhias. O setor vem crescendo muito e, quando se oferece oportunidade, a concorrência se acirra e o beneficiado é o consumidor.

Valeu a pena então salvar a Varig?

Mais importante que salvar a Varig é reconhecer a eficiência da Lei de Recuperação Judicial, que é estratégica para o desenvolvimento da nação. E essa lei se mostrou idônea, de enorme importância, inclusive para o surgimento e o barateamento do crédito, tão escasso entre nós.

Uma vez concedido o certificado de habilitação (cheta), a Varig tem agora mais algumas semanas para retomar as rotas domésticas que foram congeladas a tanto custo. O senhor acredita que a empresa retomará a maioria das rotas?

O prazo está correndo e tenho certeza que Varig vai crescer - e com qualidade. Um investidor que já colocou mais de US$ 100 milhões na empresa, sei lá, não o fez para jogar dinheiro fora. Tenho plena convicção de que a nova administração tem condição de fazer um belo trabalho. Hoje eles estão com dificuldade de encontrar avião. O número de autorizações de vôos que conseguirão preservar vai depender do número de aviões. Essa é uma questão que, ao final, vai interessar a todos nós, pois o aumento da concorrência levará a uma redução dos preços das tarifas. Ao longo da crise da Varig, as tarifas dispararam, o mercado ficou restrito. E hoje a Varig se apresenta como a grande empresa que tem condições de introduzir uma verdadeira concorrência ao setor.

Nos corredores da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) em Brasília, alguns diretores atribuem parte da crise a um chamado 'efeito Ayoub', que seria a decisão de congelar os slots (autorizações de vôo) e também as áreas da Varig nos aeroportos.

A Anac assentiu com todas as decisões judiciais reconhecendo que esses slots eram ativos da empresa. Apenas cumpri o prazo regulatório da própria Anac. Mas há um paradoxo nisso. O que se vê no noticiário é uma incapacidade das líderes e também da infra-estrutura de atender à demanda. Neste momento, as companhias estão com dificuldade de encontrar avião. Se você tem uma crise no controle aéreo e se algumas companhias não dão conta de atender a demanda que têm, imagina o que aconteceria se elas tivessem mais slots ainda.

Mas no caso específico das áreas nos aeroportos, o desconforto do passageiro não teria diminuído se os espaços tivessem sido cedidos às companhias com maior participação de mercado.

A Infraero monitorou essa questão e, quando solicitou áreas da Varig de forma temporária, o Judiciário concedeu. Com sua recuperação, a Varig agora está pedindo de volta essas áreas. Já determinei à Infraero a devolução.

O 'anjo da guarda' da Varig funcionou mais uma vez...

Essa história pegou, mas eu nunca fui anjo da guarda. Apenas repeti uma frase que um dia me disseram, que a Varig estava à beira de falir há décadas,mas que, na última hora, sempre aparecia alguma coisa, um anjo da guarda, para salvá-la. Alguém atribuiu isso a mim, mas não fui eu. Tudo que nós, da comissão de juízes, fizemos se deveu ao apoio que tivemos do presidente do Tribunal de Justiça do Rio e ao respaldo que tivemos do Ministério Público.