Título: 'Medidas não são socialistas'
Autor: Leite, Paulo Moreira
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2007, Internacional, p. A16

Crítico do stalinismo desde os anos 60, quando tanques de Moscou invadiram a Checoslováquia para esmagar a chamada Primavera de Praga, o jornalista Teodoro Petkoff, ex-candidato à presidência, define-se como um homem de esquerda e é um adversário permanente do governo de Hugo Chávez. Em entrevista ao Estado, na sexta-feira, ele disparou críticas em várias direções - inclusive para o PT, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a quem acusa de não falar o que pensa sobre Chávez. Num país onde parte da oposição gosta de acusar Chávez de vencer eleições com base em fraudes, ele adverte: ¿Temos de reconhecer que o presidente conquistou uma grande comunicação com a população e hoje tem apoio da maioria do país.¿ A seguir, trechos da entrevista:

Chávez pretende transformar a Venezuela numa nova Cuba?

Não acho. Ele já vinha discutindo o socialismo do século 21 havia mais de um ano. Agora lançou medidas confusas, contraditórias. Vejo nacionalismo nessas medidas, mas não vejo socialismo.

Por quê?

Está claro que ele quer centralizar ainda mais o poder de Estado, mas não acho que ele queira eliminar a burguesia. Seu governo permitiu que os bancos acumulassem os maiores lucros de sua história. Ele se confrontou com empresários tradicionais, mas fez nascer a burguesia bolivariana, que nós chamamos de ¿boliburguesia¿, formada pela corrupção, por empresários fornecedores do Estado, pelos amigos do presidente.

A oposição diz que o fim da concessão à RCTV anuncia uma ditadura.

Se Chávez for inteligente, vai entregar essa emissora para um empresário amigo. E aí nós teremos um país onde a televisão estará completamente de joelhos diante do governo, pois as outras redes importantes já se encontram nessa situação, mas ninguém poderá dizer que ele impediu a existência de emissoras independentes.

Como o sr. vê as medidas políticas anunciadas por Chávez?

A maior preocupação é que ele coloca o Estado em tudo. Até as federações esportivas, que são organismos autônomos em todo o mundo, estão sendo fundidas com organismos do Estado. Na cultura, o governo só patrocina obras de quem o apóia. Na educação, os princípios bolivarianos serão dados em sala de aula. Ou seja: teremos a propaganda política no currículo. O governo é contra a autonomia das universidades, o que é um risco para a pesquisa acadêmica.

Esses sinais apontam para uma ditadura?

Há tendências, embriões, fenômenos que podem ser elementos de um totalitarismo light. Mas são tendências. Não são uma ditadura.

Como o sr. vê a postura do governo brasileiro em relação a Chávez?

Não gosto. O governo Lula e o PT sabem que Chávez é uma farsa, um grande caudilho com uma retórica socialista, discordam de boa parte de suas atitudes, e deveriam denunciar isso. Acho que um presidente da república não precisa se manifestar, pois é um representante do Estado brasileiro. Chávez está até construindo uma refinaria em Pernambuco, e não faria sentido criticá-lo. Mas o PT poderia dizer o que pensa. Esse silêncio é ruim para nós, venezuelanos. Garante um prestígio artificial ao governo Chávez.

Por que o PT age assim?

Não faço a menor idéia. Os interesses do governo e do partido precisam ser separados. Chávez tem um belo talão de cheques para financiar investimentos. Mas o PT poderia se manifestar.