Título: O Pantanal é aqui, em São Paulo
Autor: Siqueira, Chico
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2007, Vida&, p. A18

A criação é fruto da natureza, mas foi por um erro humano e pela luta dos homens que São Paulo pôde guardar preservado até hoje o seu próprio Pantanal. Uma região que pulsa em 18 mil hectares, no noroeste do Estado, na divisa com Mato Grosso do Sul. O Pantanal começa nas proximidades do antigo Porto Independência, em Castilho, acompanha o Rio Paraná em direção ao sul e adentra o Parque Estadual do Rio Aguapeí.

Pela primeira vez, na semana passada, a região recebeu jornalistas - havia três anos, nenhum grupo de visitantes ia ao local. Formada por matas, banhados e varjões típicos do Pantanal, abriga várias espécies de animais pantaneiros: antas, jacarés-pretos, cervos-do-pantanal, onças-pardas, capivaras, sucuris.

No minipantanal paulista é possível observar tuiuiús - ave-símbolo do Pantanal - espalhando famílias de colhereiros-salmão; flagrar o arisco cervo-do-pantanal se alimentando ou um gavião-pomba na captura de uma rã; ver garças-pardas em balés aquáticos e pousos perfeitos e outras tantas espécies de aves levantando vôo ao mesmo tempo.

QUASE SUBMERSO

Dez mil hectares do minipantanal deveriam estar sob as águas do lago da Usina Hidrelétrica Engenheiro Sérgio Motta, mas houve um erro de cálculo da Companhia Energética de São Paulo (Cesp) e a área não foi inundada. Mesmo assim, foi desapropriada de fazendeiros que lutavam pela preservação do lugar e contestam a decisão na Justiça. Os outros 8 mil hectares estão dentro do Parque Estadual do Rio Aguapeí, cercado e sob responsabilidade do Instituto Florestal.

Um dos fazendeiros que tiveram terras desapropriadas é Francisco Sampaio de Souza, de 85 anos, o Caçador de Antas, apelido que ganhou ao chegar à região. Aos 25 anos, capturava antas para os zoológicos de Ribeirão Preto e São Paulo. Hoje, seu filho, Francisco Sampaio Filho, e outros fazendeiros espantam invasores de terra, pescadores e caçadores e apagam, com recursos próprios, focos de fogo na mata rasteira.

'Só contratamos quem quer lutar por essa causa. Se alguém machuca um bicho, demitimos e denunciamos à Polícia Ambiental', diz Sampaio Filho. A lição foi aprendida por peões como Maurício Xavier de Azevedo, que há cinco anos trocou a arma por uma máquina fotográfica. 'A máquina hoje é mais útil.' Tem fotos de bichos que encontra no dia de trabalho. 'Meu sonho é fotografar onça. Eu vi, mas não deu tempo.'

Os fazendeiros também prestam socorro aos animais. Na semana passada, um filhote de cervo-do-pantanal ferido foi encontrado pelo peão Antônio Sérgio Roberto, de 51 anos, e entregue ao veterinário Ricardo Velludo de Soutello, que coletou material para ser analisado na Faculdade de Medicina Veterinária de Andradina, onde é professor. 'Vamos comparar o parasita do animal com o de similares em cativeiro.'

Velludo, cuja família tem duas fazendas na região e também contesta a desapropriação, alerta para a necessidade de preservação do Pantanal paulista. Os Velludos propuseram à Cesp reflorestamento em troca da exploração turística sustentada da área. 'É preciso que a área seja preservada, mas também conhecida.'

CERCA

Atualmente, os 10 mil hectares desapropriados estão sendo fechados com 80 quilômetros de cercas. A desapropriação se transformou em pagamento de compensação ambiental da Cesp pelo enchimento de outro lago, o da Usina Três Irmãos, no Rio Tietê, a mais de 100 quilômetros do minipantanal paulista. Os fazendeiros receberam R$ 2,6 mil por alqueire - 10% do valor de mercado.

A área se tornou uma Reserva Particular de Proteção Natural (RPPN) de responsabilidade da Cesp, que ficou encarregada de preservar e recuperar fauna, flora e recursos hídricos, mas, desde que a área foi desapropriada, há cinco anos, os cuidados são tomados pelos fazendeiros. 'Não vemos Cesp ou Polícia Ambiental fazendo isso', diz Roberto Franco, presidente da Entidade Ambiental de Castilho e Região (Econg).

Segundo o engenheiro agrônomo José Dimas Aléssio, da Cesp, um levantamento geofísico está sendo feito pelo Ibama para a elaboração de um plano de manejo junto com sociedade civil e meios científicos até o início de 2008.