Título: Indexação prevista no pacote pode comprometer Orçamento
Autor: Otta, Lu Aiko
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/01/2007, Economia, p. B8

O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) vai recorrer à indexação na tentativa de segurar o aumento das despesas públicas nos próximos anos. A indexação, comum nos tempos de inflação alta, é uma regra de aumento automático de um valor, conforme o crescimento de um índice.

Pelo PAC, o limite para gastos com salário de funcionários públicos será elevado a cada ano conforme a variação da inflação, acrescida de um aumento real de 1,5%. O salário mínimo também terá aumento pela inflação, somada à taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de dois anos antes, conforme ficou acertado entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e as centrais sindicais. Ambas as regras terão de ser submetidas ao Congresso.

Os economistas do governo acreditam que, com essas regras automáticas para fixar os valores das principais despesas do governo, haverá maior disciplina nesses gastos que cresceram fortemente no primeiro governo Lula. O salário mínimo, por exemplo, vai subir 8,57% em 2007. Se a nova regra já estivesse em vigor, o reajuste teria sido algo perto de 6,5%. O mesmo vale para os gastos com pessoal: em vez de aumentar 10,5% em 2007, o aumento da folha teria sido de cerca de 5,5%.

A estratégia, porém, é vista como arriscada e de eficiência duvidosa por economistas que já passaram pelo governo e conhecem as engrenagens da máquina pública. Primeiro, porque há sério risco de essas regras, em vez de fixarem um valor máximo para salários e gastos com Previdência, funcionarem na prática como um piso a partir do qual os novos valores serão negociados.

Segundo, porque essas regras criam uma amarra que automaticamente eleva as despesas e engessam ainda mais o Orçamento. Se o cenário econômico mundial mudar e vier uma crise, o governo terá de cortar investimentos e aumentar impostos, pois as outras despesas não poderão ser cortadas.

'O governo está correndo um risco danado, porque a reindexação dificilmente funcionará como limitador para as despesas', comentou o economista Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada. A julgar pelos anos anteriores, ele tem dúvidas se o governo resistirá a pressões por aumentos maiores do que os previstos.

O economista-chefe da corretora Convenção, Fernando Montero, também questiona se as regras propostas para limitar as despesas serão de fato seguidas. 'É difícil acreditar, porque já é a terceira regra que temos para corrigir o salário mínimo', lembrou. 'Primeiro era a inflação, depois a inflação mais o crescimento do PIB per capita, agora é inflação mais PIB.

'O governo está comprando um problema para o futuro', disse o consultor Raul Velloso, para quem essas regras apenas adiam as medidas para o equilíbrio das contas públicas. 'Lula parece ter optado por correr o risco de não fazer o ajuste. Ele pode até dar sorte, mas achar que o sacrifício pode ser indefinidamente adiado é desconhecer que a economia passa por ciclos.' O mínimo nunca deixou de ser indexado, pois a Constituição manda que seu valor seja preservado perante a inflação, embora não detalhe como.

No entanto, os gastos com pessoal estão, até o momento, sem uma regra de correção automática. No primeiro governo Lula, essa flexibilidade serviu para elevar a folha em 40,7%.

A indexação à inflação, com previsão de aumento real de 1,5%, seria uma forma de disciplina, reconhece Montero. Mas, observa Velloso, há uma série de fatores que poderão jogar por água abaixo qualquer tentativa de manter a folha de pagamentos nesses limites.

O primeiro empecilho são os poderes autônomos (Judiciário e Legislativo). A intenção do governo com o PAC é também convencê-los a segurar os reajustes e contratações de forma que a folha só cresça o correspondente à inflação acrescida de 1,5%. No entanto, para obrigá-los de fato, seria necessária uma alteração na Constituição, reduzindo a autonomia dos Poderes. Ou seja, o Congresso teria de aprovar uma emenda constitucional reduzindo a própria autonomia, e o Judiciário teria de concordar. Uma alternativa seria aplicar o limite ao total da folha dos três Poderes. Nesse caso, o Executivo teria de fazer um tremendo arrocho salarial, para compensar os gastos extras dos outros Poderes.

Outro risco ao cumprimento dessa meta é o chamado crescimento vegetativo, que faz com que o valor da folha de pagamentos cresça mesmo em anos em que não há contratação nem aumentos salariais. Esse efeito é causado por fatores como promoções e decisões da Justiça do Trabalho contrárias ao governo. Hoje, o crescimento vegetativo já está em 1,5% ao ano.