Título: A reforma política não pode faltar
Autor: Godoy, Paulo
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2007, Espaço Aberto, p. A2

As sociedades mudam velozmente. Novas aplicações tecnológicas, hábitos e comportamentos diferentes e desafios repentinos costumam estar ao redor dessas mudanças. A expansão do uso da informática em todos os níveis da vida cotidiana e a integração econômica mundial são apenas dois exemplos de catalisadores que transformaram cidades e países em poucas décadas. As instituições públicas, responsáveis por reger a vontade coletiva, precisam ser ágeis e eficazes diante desses fatores. O desenvolvimento, econômico e social, depende dessa agilidade.

O Brasil, nas últimas décadas, tem encontrado bastante dificuldade para prover à sociedade leis e regras modernas tão logo ao País se apresentem novos desafios econômicos, tecnológicos, sociais e políticos. Diversos exemplos mostram que as conseqüências são inexoráveis. Com leis trabalhistas criadas para a realidade de décadas atrás, os custos de contratação são altos demais e a burocracia onera o empregador. O saldo: metade da força de trabalho está no mercado informal, com nenhuma tendência de ingressar no formal. A lista de evidências é maior, sempre faltará espaço.

Muitas das mazelas que rondam a vida cotidiana brasileira estão diretamente relacionadas à inércia e à ineficiência - e não à inação - das instituições governamentais e políticas em prover o País de leis que suportem amigavelmente a atividade social e econômica. Todos os diagnósticos já estão feitos, falta implementá-los. Uma das razões para a distância entre o discernimento e a transformação real é a obstrução que os sistemas político e partidário impõem à transformação, à mudança. Por isso, a reforma política é essencial, para conferir melhor fluxo, mais transparência e maior participação e controle da sociedade civil ao processo legislativo.

No Brasil, há sinais que evidenciam que o relacionamento entre partidos, entre Poderes e entre parlamentares e eleitores não é satisfatório. A representatividade é porosa e desequilibrada. Na média, eleitor e eleito quase nunca se relacionam, a não ser no dia das eleições. A infidelidade partidária e a ausência programática já são quase regra, quando deveriam ser exceção. A relação entre Legislativo e Executivo, várias vezes estreita demais, tende a enfraquecer os partidos e o próprio Congresso, o que não é saudável numa sociedade democrática.

A reforma política tem potencial de criar, no Congresso, um cenário mais propício para as transformações por que o Brasil precisa passar. O aperfeiçoamento tem de conter alguns ingredientes indispensáveis, sem os quais resultará um produto torto e ineficaz: voto distrital, fidelidade partidária e cláusula de barreira. Esses mecanismos, implementados, devem propiciar o fortalecimento do papel e da atuação do Congresso Nacional e dos partidos políticos.

A fidelidade partidária é uma urgência. Nos últimos quatro anos, 195 deputados - 38% deles - mudaram 345 vezes de partido. Essa migração política deixa claro que não existe vocação, mas sim interesses próprios, em boa parte dos parlamentares. Essa distorção não pode continuar, pois significa uma traição ao eleitor e o enfraquecimento da uma das instituições mais caras da democracia. Com a mesma diretriz, de dar eficiência à atuação do Congresso, a implementação de algum tipo de cláusula de barreira pode evitar o surgimento de legendas sem penetração na sociedade, sem que haja prejuízo para a atuação de partidos responsáveis, mas pequenos. A liberdade de expressão não pode servir de escudo para a desordem institucional.

Já o voto distrital pode ser o marco da grande virada no sistema eleitoral brasileiro. Significa abolir o sistema proporcional, em que cada Estado tem um número determinado de deputados. Nas eleições, os partidos disputam votos em todo o Estado. Divide-se o número total de votos conseguidos por cada legenda pelo total de representantes a que cada Estado tem direito. Os mais votados nos partidos são, então, indicados para as assembléias, até o limite calculado. Com o voto distrital, o País ou o Estado será dividido em distritos eleitorais, cada um com a mesma quantidade aproximada de pessoas, com direito de eleger um deputado.

Os benefícios são inúmeros. É mais fácil para a população ter ciência da atuação do deputado eleito, pois ele representa um conjunto finito de pessoas. A proximidade entre eleitor e eleito pode criar uma consciência política mais forte entre os cidadãos, mais lastreada por programas que por bordões. O político passará a fazer campanha num espaço delimitado, para um grupo específico da sociedade, o que permitirá prestar contas de forma mais eficaz, direta e com menos gastos.

Os custos mais baixos, aliás, oferecem um enorme diferencial para a sociedade e para os próprios partidos. Nas disputas eleitorais, as campanhas certamente não exigirão orçamentos tão elevados, pois é mais barato se comunicar com quarteirões do que com um Estado inteiro. O barateamento pode abrir a possibilidade para o financiamento público das campanhas.

O sucesso nas esferas econômica e social de uma sociedade depende bastante da velocidade e eficácia com que as leis que a regem são aperfeiçoadas e adaptadas ao momento presente e às necessidades futuras. Um Congresso eficiente é essencial, bem como um relacionamento mais consciente e transparente entre partidos, Poderes, parlamentares e sociedade. São condições básicas para transformar o Brasil num país maior e melhor, mais dinâmico e, sobretudo, mais justo. O Parlamento precisa ser o motor e a alavanca das mudanças que precisam ser enfrentadas e efetivadas, sem as quais boa parte da sociedade continuará a ter direitos no papel, mas dificilmente na prática.