Título: Pragmatismo tucano
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2007, Notas e Informações, p. A3

Chamar aqui de pragmatismo - e não de fisiologismo, que seria mais apropriado - a forma como o PSDB aderiu à candidatura de Arlindo Chinaglia à presidência da Câmara dos Deputados, é uma consideração à boa parte dos tucanos - como Fernando Henrique Cardoso, Gustavo Fruet, Paulo Renato Souza, José Aníbal e tantos outros - que não compactuaram com a manobra do líder do partido na Câmara, deputado Jutahy Júnior, que anunciou apoio ao candidato petista depois de uma simples consulta telefônica aos deputados federais tucanos, sem nem mesmo se dignar a divulgar o porcentual de seus colegas que aderiram à candidatura Chinaglia.

Os que haviam criticado o comportamento do PMDB, bem ilustrado pela sem-cerimônia com que seu presidente, deputado Michel Temer, anunciara o ¿pacto de rodízio¿ celebrado com o PT (dando a este a presidência da Câmara no ¿primeiro biênio¿ para dele receber apoio e obter a presidência peemedebista no ¿segundo biênio¿), sem quaisquer compromissos em torno de projetos, de planos de recuperação da Casa que abrigou ¿a pior Legislatura da história da República¿, em face do comportamento tucano deveriam até enaltecer a forma, digamos (vá lá), ética com que os peemedebistas tomaram a decisão, após uma reunião de bancada, com discussão e votação de praxe. O mínimo que os tucanos deveriam ter feito seria uma reunião semelhante, com transparência de opiniões, já que alguns deles já haviam se manifestado a favor da candidatura Rebelo e outros, ainda, já incorporavam o movimento ¿terceira via¿, que pretende apresentar candidato próprio na terça-feira.

Diga-se, de passagem, que o traço mais marcante das candidaturas lançadas - a de Chinaglia e a de Rebelo - é a absoluta falta de projetos, lacuna que se torna maior em um momento em que a sociedade brasileira cobra, com a maior intensidade, a recuperação funcional e moral da instituição que dá a maior chancela ao regime democrático: a Casa dos representantes escolhidos pelo povo. E nesse processo de recuperação estaria ínsito um movimento de independência em relação ao Planalto (base da plataforma da ¿terceira via¿), visto que nenhuma das candidaturas já postas indicam ruptura com a crônica submissão ao governo, embora a do candidato comunista revele maior propensão a dar espaço à oposição.

Não dá para deixar de ver nessa manobra com que o líder Jutahy Júnior anunciou apressadamente a ¿adesão¿ tucana ao candidato petista decepcionantes artimanhas dos governadores de São Paulo e de Minas Gerais. Serra - a quem o deputado Jutahy sempre esteve especialmente ligado - certamente procurou garantir o apoio petista a seu candidato à presidência da Assembléia Legislativa paulista, enquanto Aécio procurou assegurar a participação de seu conterrâneo correligionário Nárcio Arruda no cargo de vice-presidente da Câmara. É claro que o próprio operador da manobra, Jutahy Júnior, não deixaria de também levar sua ¿casquinha¿ no acórdão: nesse toma-lá, dá-cá tucano-petista teria assegurado, com o governador da Bahia, Jaques Wagner, apoio para seu candidato a presidente da Assembléia Legislativa baiana.

Vê-se, assim, que as questiúnculas de interesse estritamente regional passam a comandar as articulações políticas das mais prestigiadas lideranças oposicionistas - justamente aquelas nas quais se tem depositado esperanças de mudanças, com vislumbres nos ventos políticos de 2010. O trabalho firme e construtivo das oposições, que nas verdadeiras democracias se norteia e fortalece, sobretudo, quando baseado em convicções em torno de princípios, quando emasculado pela cooptação rasteira, pela troca de pequenos interesses pontuais - tendo só como baliza as ambições de poder -, passa a se tornar apenas mais um componente da geléia fisiológica, geral e indistinta, que degrada o cenário político perante as sociedades.

Resta esperar que os parlamentares que se recusam a camuflar-se nessa geléia - e os há - externem, de maneira efetiva, seu espírito de resistência. Para que o PSDB não renegue suas dignificantes origens de dissidência, por motivos éticos, do carcomido PMDB.