Título: Isabelita Perón é detida em Madri sob acusação de terrorismo de Estado
Autor: Palacios, Ariel
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2007, Internacional, p. A16

Ostentando um de seus tradicionais casacos de vison e exibindo seus costumeiros brincos de pérolas, a ex-presidente María Estela Martínez de Perón (1974-76), de 75 anos, líder de um dos governos mais caóticos da história da Argentina, não perdeu a pose ao ser levada presa ontem no início da noite em Madri pela polícia espanhola. Horas depois, um juiz concedeu liberdade provisória à ex-presidente argentina, mais conhecida como Isabelita. Ela deverá se apresentar à Justiça espanhola a cada 15 dias, enquanto tramita o processo de extradição.

Na quinta-feira, o juiz federal Héctor Acosta, da Província de Mendoza, emitiu um pedido internacional de captura, no qual acusava Isabelita de terrorismo de Estado durante seu governo. A terceira mulher do ex-presidente general Juan Domingo Perón vive em Madri há 25 anos e está sendo acusada pela morte do estudante Héctor Fagetti na Província de Mendoza em fevereiro de 1976 e pelo seqüestro e tortura de um menor de sobrenome Verón.

Esta última pessoa, cujo primeiro nome esta sendo mantido em segredo, está viva e será uma das principais testemunhas de acusação.

Poucas horas antes da detenção de Isabelita em Madri, o presidente argentino, Néstor Kirchner, disse que ¿não pode haver impunidade para pessoa alguma¿, marcando uma mudança na tradicional posição de seu Partido Peronista. Kirchner disse que deseja ¿reconciliação¿ para a sociedade argentina, mas, ¿com verdade e sem impunidade¿.

Desde que tomou posse, Kirchner estimulou a Justiça argentina a levar ao banco dos réus os ex-integrantes da ditadura militar (1976-83)que cometeram crimes contra a humanidade e foram responsáveis pelo assassinato de mais de 30 mil civis. Mas não estimulou a investigação dos crimes cometidos pelo governo civil peronista. O terrorismo de Estado durante o governo da viúva de Perón foi responsável pelo assassinato de mais de 900 pessoas.

A base da acusação do juiz Acosta é a assinatura de Isabelita em três decretos de 1975 que autorizavam a ¿aniquilação¿ dos movimentos denominados subversivos. A ordem foi levada ao pé da letra pelas forças de segurança, que assassinaram os suspeitos de subversão de forma clandestina. Na mesma época, a organização paramilitar conhecida como Tríplice A - surgida dentro da estrutura do governo de Isabelita - também perseguiu opositores políticos. O modus operandi utilizado pelo governo de Isabelita foi mantido posteriormente pela ditadura militar.

DANÇARINA

Isabelita tornou-se ontem a primeira presidente civil da história da Argentina a ser detida pela acusação de terrorismo de Estado (até agora, só presidentes da ditadura militar haviam sido presos por esses crimes). Ela também foi a primeira dançarina de cabaré a se transformar em chefe de Estado. Perón conheceu Isabelita no Panamá quando estava no exílio, após ter sido derrubado por um golpe em 1955. A então dançarina iniciou um caso com o ex-presidente, que a levou para a Espanha, onde passou o resto de seu exílio e se casou com Isabelita.

Em 1973, Perón voltou do exílio, e para surpresa de seus partidários, colocou Isabelita como vice-presidente. Em 1974, com a morte do marido, ela assumiu a presidência. Sem experiência política, seu governo foi caótico. Em 1976 foi deposta por um golpe militar. Após um período de detenção numa mansão no sul do país, os militares permitiram que ela fosse para a Espanha.

Desde a volta da democracia, em 1983, o peso político de Isabelita - apesar de ser a viúva do mítico Perón - foi nulo. Herdeira de uma fortuna que Perón lhe deixou, Isabelita vivia até ontem confortavelmente nos arredores de Madri de forma discreta.

O grupo paramilitar Tríplice A foi comandado pelo Ministro da Ação Social e astrólogo de Isabelita, José López Rega. Um ex-cabo da Polícia Federal que tentou ser cantor de ópera e astrólogo, López Rega se transformou nos anos 60 no mordomo de Perón durante o exílio do ex-presidente em Madri. López Rega, rapidamente, começou a ter grande influência sobre o esclerosado caudilho argentino, além de exercer um forte controle sobre a supersticiosa Isabelita.

Quando Perón voltou ao país e foi eleito presidente em 1973, López Rega transformou-se na eminência parda do governo. Com a morte do caudilho em 1974 - e a posse de sua viúva - seu poder aumentou mais ainda. No Ministério da Ação Social controlava um imenso orçamento que permitia manter uma força paramilitar com a qual começou a eliminar os opositores do governo.

Em dezembro, pela primeira vez, a Justiça argentina considerou os atos cometidos nos anos 70 pela Tríplice A como crimes contra a humanidade. Na ocasião, o juiz Norberto Oyarbide ratificou o pedido de captura do ex-subdelegado de polícia Rodolfo Almirón, um dos líderes da Tríplice A, que reside na Espanha. O pedido havia sido feito há 22 anos. Para poder ratificar o pedido, Oyarbide teve de sustentar que os atos cometidos pela Tríplice A são crimes contra a humanidade, e portanto, imprescritíveis.

Diversos juízes estão abrindo processos contra ex-integrantes da Tríplice A. Ontem à tarde, entregou-se à polícia argentina o ex-policial Miguel Angel Rovira, um ex-integrante do grupo paramilitar. Em Londres, outro ex-integrante da Tríplice A, Felipe Romero, foi localizado pela Interpol.