Título: Nos tempos dos 500% e do susto a cada compra
Autor: Farid, Jacqueline
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/01/2007, Economia, p. B3

Quem não viveu o período da hiperinflação da década de 80 e início dos anos 90 pode até achar expressivo um aumento de 0,31% em novembro para 0,48% em dezembro do ano passado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). Mas isso é praticamente nada perto do que já foi a inflação no Brasil.

No início dos anos 90, a inflação média chegou a 500% ao ano. Só no primeiro trimestre de 1990, o Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe) atingiu 432%. Esse foi o período mais turbulento do custo de vida para o brasileiro, marcado pela transição entre os governos de José Sarney para o de Fernando Collor de Mello. Houve congelamento de preços fracassados e uma desorganização geral da economia. Surgiram os ¿fiscais do Sarney¿ para vigiar o movimento dos preços e até o confisco do gado no pasto. Para escapar do congelamento, pecuaristas interromperam o abate de bovinos.

Passados 13 anos da implantação do Plano Real que proporcionou a estabilização da economia, a inflação atual ainda é usada como argumento pelo Banco Central para não baixar os juros.

O economista Heron do Carmo, presidente do Conselho Regional de Economia e um dos maiores especialistas em preços do País, fez as contas recentemente sobre a inflação acumulada nos 26 anos em que trabalhou na Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP (Fipe), que calcula a inflação da classe média em São Paulo. Chegou ao impressionante número de quase 34 trilhões por cento.

Para Heron do Carmo, a inflação está moribunda, mas o País ainda precisa livrar-se do ¿entulho inflacionário¿, isto é, de contratos que corrigem os preços automaticamente.

Segundo ele, a origem da inflação está em uma medida adotada no governo do ex-presidente Getúlio Vargas, na década de 30. Era uma lei ditatorial conhecida ¿curso forçado do mil réis¿, que proibia contratos em moeda estrangeira. Foi o primeiro passo para a chamada indexação, ou correção automática de preços com base em índices de acompanhamento dos preços no atacado e varejo. A indexação levou à chamada ¿inércia inflacionária¿, ou seja, à predisposição das empresas em aumentar os preços para compensar aumentos de custos. O País passou a pensar com correção monetária, fenômeno que só foi rompido, após vários planos fracassados de congelamento, em julho de 1994, com a URV, a Unidade Real de Valor, uma espécie de moeda de transição que se desvalorizava diariamente até a introdução de uma nova moeda, o real, que sobrevive até hoje.

A eterna ameaça sobre o futuro do real está no risco de descontrole das finanças públicas, que pode trazer de volta a inflação.