Título: O exemplo da Ásia
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Fonte: O Estado de São Paulo, 17/01/2007, Notas e Informações, p. A3
Mais um passo para a criação da maior zona de livre-comércio do mundo, com cerca de 1,8 bilhão de pessoas, foi dado no domingo passado, com a assinatura de um acordo entre a China e os dez membros da Associação das Nações do Sudeste Asiático (Asean) para abertura dos mercados bancário, de turismo, imobiliário, sanitário e de tecnologia da informação e transportes. O comércio de bens entre China e os dez parceiros alcançou US$ 113,4 bilhões em 2005, segundo estatísticas da Asean, com exportações chinesas de US$ 61,2 bilhões e importações de US$ 52,2 bilhões.
A China e a associação concluíram em 2002 seu primeiro pacto de cooperação econômica e assinaram em 2004 um acordo para facilitar o comércio de bens. Mas a agenda chinesa de integração regional é ampla. Em março, as autoridades de Pequim deverão começar a discutir com os governos da Coréia e do Japão um acordo de proteção de investimentos.
Enquanto avança a integração econômica na área mais dinâmica do mundo, o Mercosul se esfarela em disputas internas e multiplica seus problemas com a incorporação da Venezuela, já oficializada, e da Bolívia, ainda em fase de conversações e estudos. Ninguém demonstra o mínimo otimismo em relação à reunião de cúpula programada para amanhã e depois, no Rio de Janeiro. O plano de ingresso da Bolívia será um dos itens de uma pauta pouco promissora. O presidente venezuelano, Hugo Chávez, será quase certamente a estrela do encontro, com mais uma provável exibição de destempero político.
Com a provável admissão da Bolívia como membro pleno do Mercosul, dois dos seis integrantes do bloco serão inimigos declarados da globalização e do livre-comércio. Poderão atrapalhar as negociações com a União Européia e simplesmente impedir qualquer tentativa de acordo com os Estados Unidos - que só ocorrerá se o governo brasileiro tiver um choque de realismo.
O contraste com a região mais dinâmica do mundo é notável também nesse aspecto: as economias da Ásia conseguem tecer uma rede forte e complexa de integração regional e ao mesmo tempo manter um importante e crescente comércio com as maiores potências do Ocidente. Em 2005 os países da Asean venderam aos EUA, seu maior parceiro, produtos no valor de US$ 92,9 bilhões. Exportaram US$ 80,9 bilhões para a União Européia, US$ 72,7 bilhões para o Japão e US$ 52,2 bilhões para a China. Esses quatro parceiros absorveram 46,1% das vendas externas dos dez países do Sudeste da Ásia. Outros 25% das exportações foram negociados entre os sócios da Asean.
Cinco países deram origem à associação em 1967. A lista dos dez sócios atuais foi completada em 1999. Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã formam o clube. Seus habitantes em 2005 eram 558,9 milhões. Suas exportações alcançaram naquele ano US$ 648,1 bilhões e as importações, US$ 576,7 bilhões. O produto bruto regional correspondeu a US$ 994 bilhões, com crescimento anual de 5,5%.
A meta de integração regional é a constituição, até 2015, de uma comunidade formada pelos dez países, com livre movimentação de bens, serviços, trabalho qualificado e fluxos de capital mais livres que os de hoje. No momento, a Asean negocia acordos de livre-comércio com China, Japão, Coréia, Índia, Austrália e Nova Zelândia. Além disso, mantém fortes laços comerciais com parceiros do outro lado do Pacífico. A Asean tem uma corrente de comércio (exportações mais importações) de US$ 154 bilhões com os Estados Unidos, US$ 6 bilhões com o Canadá e US$ 1,9 bilhão com o México. Na América Latina, a maior corrente de comércio é mantida com o Brasil. Em 2005 chegou a US$ 2 bilhões e representou 0,2% do intercâmbio total dos dez países.
Enquanto os governos da Asean seguem um programa de longo prazo, os sócios do Mercosul mal podem dizer como estará seu bloco nos próximos dois anos. Não sabem sequer se o Uruguai terá rompido as amarras da união aduaneira e concluído um acordo de livre-comércio com os Estados Unidos. Quanto às ambições uruguaias, não há dúvida neste momento. É uma das poucas certezas do Mercosul.