Título: Correa toma posse e convoca consulta
Autor: Nossa, Leonencio
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/01/2007, Internacional, p. A12

O novo presidente do Equador, o economista de esquerda Rafael Correa, de 43 anos, em sua primeira medida, firmou ontem um decreto no qual convocou um plebiscito para decidir sobre uma Assembléia Nacional Constituinte. No discurso de posse no Congresso, ele defendeu ¿reformas profundas¿ no país, prometeu renegociar a dívida externa e fez críticas aos ¿populistas do capital¿, como definiu os defensores das privatizações e da abertura de mercado.

¿Esta é a primeira batalha da longa guerra para retomar nosso país¿, declarou Correa após assinar o decreto, reiterando que ¿a longa noite do neoliberalismo está no fim no Equador e na América Latina¿. Na véspera, numa posse simbólica no povoado indígena de Zumbahua, ele defendeu a necessidade de nova Carta para que o país se una a uma ¿América Latina altiva, digna, soberana, justa e socialista do século 21¿, usando a nova definição para o socialismo cunhada por seu amigo, o presidente venezuelano, Hugo Chávez.

Vestindo uma camisa com bordados indígenas, Correa disse no Congresso que desde o final dos anos 80 o Equador tem sofrido com as políticas neoliberais que teriam atendido apenas aos interesses internacionais. ¿Um dos principais desafios é vencer a cultura de endividamento e o Equador só se endividará quando for indispensável¿, afirmou o presidente. ¿Renegociaremos a dívida¿, acrescentou, assinalando que o país ¿gasta mais em pagar a dívida externa do que em educação¿.

Ele garantiu que manterá a dolarização da economia, mas, desde a campanha eleitoral, ameaça declarar uma moratória da dívida externa. ¿Não negociarei a dignidade da pátria, a pátria não está à venda¿, afirmou. ¿Numa consulta popular, os próprios equatorianos aprovarão ou rejeitarão uma Assembléia Constituinte de plenos poderes.¿

No longo discurso, ele não deixou claro quais setores sofrerão mudanças. Durante a campanha, Correa defendeu a nacionalização do petróleo e outros recursos naturais. Mas, depois de eleito com 3,5 milhões de votos no segundo turno (56% dos votos válidos), minimizou o discurso, propondo inclusive parcerias com a Petrobrás no refino de óleo, além de projetos de infra-estrutura com o governo Lula.

Ele foi eleito depois de enfrentar em segundo turno o milionário Álvaro Noboa, produtor de bananas e o homem mais rico do país. Tanto Correa quanto Noboa fizeram campanha com discurso populista, prometendo casas populares e programas sociais. Correa foi além, com feroz oposição a um eventual acordo de livre comércio com os EUA.

A nova esquerda da América Latina estava bem representada na posse. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deixou as férias no Guarujá para marcar posição numa festa em que Chávez tentou ser o centro das atenções. Também participaram os presidentes da Nicarágua, Daniel Ortega; do Paraguai, Nicanor Duarte; da Bolívia, Evo Morales; do Chile, Michelle Bachelet; da Colômbia, Álvaro Uribe; do Peru, Alan García; e até do Irã, Mahmud Ahmadinejad.

Correa não economizou ataques ao Congresso, afirmando que este atende a interesses de ¿caciques¿ e não do seu ¿mandante¿, o povo. Católico praticante, citou o papa João Paulo II, o líder pelos direitos civis americano Martin Luther King e o poeta chileno Pablo Neruda para propor um novo modelo de Estado. ¿Meu sonho é ver um país sem miséria, sem crianças na rua, uma pátria sem opulência, mas digna e feliz.¿

Correa tem pela frente o desafio de governar sem um único deputado no Congresso - seu partido boicotou as eleições legislativas. E o de superar a crônica instabilidade política do país: nos últimos dez anos, nenhum dos três presidentes eleitos no Equador chegou ao fim do mandato.

INCIDENTE

Um equatoriano de 60 anos foi baleado por seguranças ao tentar aproximar-se dos carros da comitiva de Lula. Segundo rádios locais, o atingido, cujo estado de saúde era desconhecido ontem à noite, é um funcionário do Ministério do Trabalho do Equador. O tiro teria partido, segundo diplomatas, de um agente equatoriano.