Título: Armadilha no orçamento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 18/01/2007, Notas e Informações, p. A3

O governo federal vai criar mais uma armadilha para si mesmo, se assumir o compromisso de aumentar anualmente a folha de pessoal, com base num indexador. Criar um teto para essa despesa é o objetivo declarado, mas o efeito prático acabará sendo o oposto. 'O governo está correndo um risco danado, porque a reindexação dificilmente funcionará como limitador para a despesa', disse o consultor e ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola. Poderá ser um piso para reivindicações do funcionalismo. O desastre, naturalmente, será pago pela Nação, com impostos maiores ou com verbas menores para educação, saúde, segurança e outros itens de grande interesse para a sociedade.

A fórmula deverá constar, segundo se anunciou, do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prometido para dia 22. Pelo novo critério, a folha de salários será reajustada anualmente com base na inflação e a esse valor será acrescentado um aumento real de 1,5%. Na hipótese mais otimista, os funcionários aceitarão a regra e não cobrarão nem um centavo adicional, mas o resultado, de toda forma, será ruim para as contas públicas e para a economia.

Nada pode justificar um compromisso de aumento real da folha de salários. Um compromisso desse tipo anula parcialmente, de antemão, qualquer esforço para elevar a eficiência do serviço público. Segundo a fórmula anunciada, a despesa com pessoal poderá crescer mesmo no caso de estagnação econômica ou de recessão. A mera indexação da folha já seria danosa, pois essa despesa se tornaria incomprimível em termos de valor real. Pelo critério proposto, o governo abandonará qualquer empenho sério de arrumação das finanças federais.

Mesmo sem esse erro, as contas da União já seriam afetadas pela correção do salário mínimo negociada com a cúpula sindical. Segundo a fórmula escolhida, o mínimo será atualizado pela inflação e aumentado de acordo com a variação do PIB de dois anos antes.

As contas da Previdência serão afetadas diretamente, porque a maior parte das pensões será corrigida de acordo com o mesmo critério. Nada garante um aumento correspondente da receita previdenciária. Esse aumento só ocorrerá se o emprego formal crescer em proporção suficiente, mas essa evolução é imprevisível.

Além do mais, parcelas importantes do Orçamento federal já são sujeitas à vinculação e à indexação. Há verbas vinculadas para a educação. Recursos para a saúde crescem de acordo com a variação do PIB. Esses dispositivos engessam as finanças públicas, mas não asseguram a qualidade dos gastos nem a eficiência dos programas do governo para essas áreas. Estudantes completam quatro anos de escola sem aprender a ler, escrever e fazer operações aritméticas simples. Indicadores de saúde, como a mortalidade infantil, são piores que os de países com renda per capita semelhante e gastos proporcionalmente menores que os do Brasil.

Na semana passada, a coordenadora da pesquisa de preços do IBGE, Eulina Nunes, falou em fim da era da indexação, ao anunciar uma inflação abaixo do centro da meta fixada pelo governo. O IPCA cresceu 3,14% em 2006 e para isso contribuiu muito a evolução moderada de preços administrados, como os de energia elétrica, telecomunicações e pedágios. Esses valores são parcialmente vinculados à variação dos preços por atacado. Como estes ficaram quase estáveis em 2005, os administrados pouco subiram em 2006.

Mas é otimismo excessivo anunciar o fim da indexação. Afinal, preços e tarifas sujeitos a reajuste anual continuam vinculados a índices. Sua evolução será tanto mais moderada quanto menor seja a variação daqueles índices, mas isso depende tanto do controle monetário quanto da política fiscal que, aliás, não justifica nenhum otimismo. Desde o ano passado o governo vem assumindo compromissos de gastos crescentes, primeiro com a distribuição de bondades eleitorais e agora com as decisões sobre o salário mínimo e a folha do funcionalismo. As expectativas sobre o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva seriam muito mais otimistas se ele mostrasse, desde já, a disposição de arrumar as contas públicas e de conter mais firmemente a inflação. Até agora, suas promessas apontam para o rumo oposto.